sábado, 31 de dezembro de 2011

Inventário dos Momentos do Ano de 2011

Se eu tivesse que fazer um inventário dos momentos especiais de 2011, certamente, estariam listados entre eles:
A primeira noite do ano em frente ao Lago Lanqhuiue e o vulcão Osorno, no Chile. Nunca tinha visto um céu tão estrelado (***).



Na travessia dos lagos no Chile, ler “viver a dois nunca significa que cada um fica com a metade. É preciso se revezar para dar mais do que se recebe (...). Um dos dois entra na escuridão enquanto o outro fica de fora, segurando a Lua no céu” (Marlena de Blasi, Mil Dias em Veneza), minutos depois de ter vivido isso na prática. (***).


Ter participado da alegria dos meus sobrinhos nos Parques em São Paulo. A tarde passada com minha irmã na casa da Analu, com Dona Cecília, em São Paulo.


Ter visitado as casas de Pablo Neruda, em especial a da Isla Negra, com Marcos, Rosana e Jorge. Numa delas foi emocionante ouvir a citação “O homem que não brinca, perdeu para sempre a criança que vivia nele e que lhe fará muita falta”.


As Exposições sobre Fernando Pessoa no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo e a da Cora Coralina no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ.


Ter lido o poema “Estas Mãos” de Cora Coralina.


Meu pai, aparecendo com o Marcos, pra me socorrer com o pneu furado.


As incríveis caminhadas pelas ruas, parques e jardins de Londres (***).


As viagens de carro pelas estradas da Toscana (Itália) e do Vale do Loire (França). Andar de bicicleta à margem do Arno em Firenze ou pelo bosque do Chateau de Chambord na companhia de Marcos, Renata e Dani.


A incrível fachada da Catedral de Milão.


Ter serpenteado à noite pelas ruas de Veneza, ou do outro lado da cidade, fugindo da multidão de turistas com Marcos e Renata.


Todos os gelatos na companhia da Renata e do Marcos na Itália.


A sensação inexplicável de estar de frente à escultura do Davi de Michelangelo em Florença.


A inesperada “La traviata” na Piazza dela Signoria com Marcos e Renata. O Marcos, e seu humor pseudo-mau-humor, lembrando o desenho do Pica-pau!


Eu, Renata e Marcos perdidos no bosque na Toscana e a italiana-da-teta-livre tentando nos ajudar sem falar uma palavra de inglês, português, espanhol... “il treno ... blem blem ... vicino ... um buon inglese!”.


O banho de piscina e o anoitecer na incrível Pousada nas montanhas de Assis. (***)


A beleza incontestável da Basílica de São Pedro no Vaticano.


O momento eu comigo mesmo na chuva nos Jardins de Versailles no dia do meu aniversário. Depois o jantar a noite com meus amigos Marcos, Dani e Renata em Paris. Em pensar que eu comemorei muitos aniversários em Parada de Lucas!


A ansiedade e o encontro na Basílica de Santa Teresinha em Lisieux.


A festa “surpresa” na casa da tia Angela, na Vila da Penha, na volta da viagem.


Os momentos inúteis à margem do São Francisco com Marcos, Dani, Renata e Romney, os Ipês amarelos pela estrada, ouvir os baiões de Luiz Gonzaga e Brasileirinho à noite em Piranhas, e se acabar de tanto rir com a história da “Piranhuda” contada pela Renata.


O tercinho “doado” pela Dona Conceição quando comprei o carro novo.


As Ave-Marias rezadas pela alma da minha avó no caminho do trabalho ao passar pela Capela de Nossa Senhora da Conceição atrás do Hospital Gaffreé e Guinle na Tijuca.


As últimas madrugadas de gargalhadas altas tão longe e tão perto dos meus amigos Carlos e Edney. “Beijo no ombro e pah!”.


O sonho em que eu desejei que minha avó estivesse viva novamente e quando cheguei à casa dela (no sonho), ela realmente estava, e me sorriu, me abraçou novamente... Era mentira. Era sonho. Mas acordei feliz por ter tido aqueles segundos tão reais com ela novamente. Senti seu cheiro, sua pele, seu carinho novamente.


O fim de semana com toda a família na Pousada Cantinho da Roça comemorando os 60 anos de minha mãe. A primeira vez da minha mãe no Cristo Redentor.


A abertura da carta com a notícia do 1º Lugar no concurso de poesias com a minha poesia predileta: “Sobrado”.


Minha azaleia florescendo o ano inteiro.


Minha calopsita “Léo” cantando toda vez que me vê e me ouve cantando também.


Os minutos de paz em companhia perfeita e a vista do mar da Ponta da Lagoinha em Búzios-RJ (***).


O fim de tarde e o por do sol à beira do rio Preguiças, em Barreirinhas – MA, com Marcos e as novas amigas Patricia e Verônica.


A ótima convivência com minha equipe de trabalho Alda, Carla, Adriana, Erlandsson, Kaíza, Neusa e Marcia. As ótimas histórias divididas na sala dos professores com os colegas do IFRJ. Os momentos divertidos nas aulas com os alunos.


O bilhetinho escrito pela minha sobrinha Mariana “Você é o melhor tio do mundo...” e logo depois o mesmo bilhete entregue para o Marcos. Todos os momentos com meus sobrinhos Lucca, Matheus, Duda e Mariana.


Os livros "A poética do devaneio" (Gaston Bachelard); "Confesso que vivi" (Pablo Neruda); "Coleção Melhores Poemas" (Cora Coralina); “Memórias Inventadas” (Manoel de Barros); “Para não dizer adeus” (Lya Luft); “Carta entre amigos” (Gabriel Chalita e Fabio de Melo);"Do Universo à Jabuticaba" (Rubem Alves) e “Para Francisco” (Cristina Guerra).


Os filmes “A árvore do amor”, “O Pequeno Nicolau”; “A Língua das Mariposas” e “Escritores da Liberdade”.


O especial “Ivete Gil Caetano”. A interpretação de Ivete em “Atrás da Porta” de Chico Buarque. Ouvir a Elis cantando a mesma canção no carro indo para a ceia de natal. E não se deprimir por isso!


O encantamento com a voz e as canções da Adele. O DVD “Adele Live At The Royal Albert Hall”. Isso é muito surpreendente.


As tardes de quinta-feira na terapia.


A falta de um CD novo de Maria Bethânia.


Os inúmeros beijos dados pelo meu avô e a alegria sempre estampada no rosto dele quando ele me vê todos os sábados e me diz: “meu neto Doutor, quanto tempo que não te vejo!” e o diálogo inicial de sempre: Eu digo: “Sua benção, vô. Tudo bem?” e ele responde: “Melhor agora que estou te vendo!”. A doce falta de memória que nunca o impede de ser tão carinhoso.


A interação com meus alunos e amigos mais distantes no facebook. A troca de mensagens e a possibilidade de compartilhar minhas ideias no meu blog com amigos com os quais não é possível conviver mais perto fisicamente.


A visita inesperada da Simara e do Max.


O cineminha “cabeça” com Cristiane e Simone.


Mais uma confraternização e amigo-oculto de fim de ano com meus amigos mais queridos. As declarações de afeto e as experiências que nos permitimos viver juntos. A falta de cobrança.


A tarde do último dia do ano na casa da minha mãe, fazendo coisas bem corriqueiras, comendo, rindo alto. Ter estourado confetes com meu avô.


A promessa de um Reveillon especial na casa da Rê com amigos queridos.
Obrigado a todas as pessoas que fizeram o meu ano de 2011 tão incrível. Que 2012 seja tão bom, ou melhor, quanto!



sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Principalmente, para os meus alunos.

Mexendo nas minhas memórias, ou melhor na memória do meu PC, encontrei esse poema que escrevi há mais de 20 anos. Nessa época, eu era apenas o sonho do que sou hoje. Tinha a idade de muitos dos meus alunos. Por isso, lembrei-me deles, de seus sonhos, de seu esforço diário, das dúvidas todas... da vontade de vencer. Nessa mesma  época, um professor muito especial me fez conhecer essa música e essa cantora (clique aqui para ouvir).




O poema é pueril, ingênuo talvez... mas foi por acreditar naquela tal Esperança, que eu fui além, eu realizei, eu sou dois... E hoje sou uma pessoa muito feliz. E ainda cheia de sonhos e coisas para realizar. Porque isso é o que no mantém vivos: o sonho! Tudo isso pode parecer clichê, mas a vida é cheia de clichês mesmo.


É isso então o que eu desejo a todos vocês, meus alunos, ex-alunos e futuro alunos! Meus amigos todos. Acreditem! Sonhem! Mantenham o foco! Estudem! Levantem-se! Mais à frente, abram suas gavetas, seus guardados, seus ipod’s e pendrives, fechem os olhos, relembrem e concluam, como eu conclui, o quanto valeu a pena cada noite mal dormida, o esforço, o cansaço... Sucesso para vocês!

A perserverança é a ponte que ligará os teus sonhos à realização!


E como para se realizar sonhos é preciso braços, segue outro poema também da mesma época! É uma alegria imensa dividir os meu dias com vocês. Às vezes a gente reclama, se chateia, briga, dá lição de moral, bate no quadro, na mesa, dá piti... Mas, verdadeiramente, eu não não seria tão feliz, se eu não tivesse numa sala de aula. E, certamente, o que tornou o meu ano de 2011 melhor, foi chegar todos os dias na escola e ouvir: "bom dia, Professor!". A sensação de que a brincadeira de criança continua... não tem preço. E ela continua!

Meu abraço a todos. Feliz 2012. A gente só não precisava se re-encontrar tão cedo, mas tudo bem?! Tá valendo!


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O lixo do natal

Passando pela rua, na manhã seguinte às festas do Natal, o dia nublado, a chuva fina que caía, já contrastavam enormemente com o lindo dia de sol e de céu azul que havia feito na véspera. Desviando-me das montanhas de lixo pelas calçadas, lembrei-me – pra variar – dos idos tempos da infância. Lembrei-me do lixo do natal.


A véspera do Natal tinha sempre aquele clima de espera, de ansiedade. A gente ficava pela rua, brincando, completamente livre dos compromissos da escola – eu sou da época em que 180 dias letivos eram suficientes para “educar” (e muito bem) uma criança –, até que a mãe da gente aparecia no portão ou na janela, e gritava nosso nome, composto, se fosse o caso, anunciando a hora do banho. Em qualquer outro dia das férias, essa era a pior hora, mas na véspera de Natal, não. Era hora de se arrumar para o grande momento. Nesse dia, a gente tomava banho direitinho, esfregava os pés, tirava o cordão de caraca do pescoço, e nem precisava voltar pra lavar a cabeça direito, porque até creme-rinse – era assim que se chamava condicionador naquela época – a gente passava sem a necessidade de um puxão de cabelo ou um tabefe na cabeça, durante a vistoria pós-banho-mal-tomado, comum naqueles tempos. Na casa da vovó, as crianças todas arrumadinhas iam surgindo, com seus cabelinhos penteados, suas marias-chiquinhas repuxando os olhos, a roupa nova, o tênis que ainda machucava o calcanhar, ou a sandália com algodão na ponta. A cada tio ou tia que ia chegando, a gente tentava dar uma disfarçada, mas os olhos já iam rapidamente fazendo a varredura, pra ver se havia e qual era o tamanho do presente, torcendo, obviamente, pra que não fosse roupa. A mesa, lotada de comida, não fazia muita diferença, o interessante mesmo era depois da ceia, quando o vovô, com um soquete de cozinha ou um espremedor de alho, esmigalhava os coquinhos – nozes, amêndoas e avelãs – e a gente comia até se fartar. Após as devidas euforias e decepções com presentes, a gente se juntava num cantinho qualquer da casa, montava o Ferrorama, exibia a boneca que declamava poemas, o Aquaplay, o Playmobil, a maquininha de fazer pipoca, até não aguentar mais e cair no sono por ali mesmo. Criança não se preocupava em desejar coisas boas, em falar palavras bonitas, em ser diferente naquela noite. Simplesmente, guardava o presente e jogava o restante no lixo.

No dia seguinte, a gente acordava cedo e ia pra rua, ansiosa por mostrar o melhor presente que havia ganhado. No lixo de natal, as caixas de papelão, os restos de embalagens pelas calçadas, já denunciavam o que cada um dos amiguinhos traria para a rua. Era só esperar.

Hoje, andando pela calçada, reparei que, no lixo de natal de algumas casas, misturados aos restos de papel de presente, ossos de peru, cascas de nozes e avelãs, já se encontravam – devidamente quebrados, amassados, esquecidos – o amor, a gentileza, a compreensão, a paz e a esperança, aqueles sentimentos todos, devotados na noite anterior. O espírito natalino já havia sido descartado. Do Natal, restaram apenas a azia e a má-digestão, a tortura de ter de trocar presentes, a culpa de ter comido além da conta, o gosto ruim na boca, a ressaca. O vazio.

Natal deveria ser todo dia. E a gente devia era se espelhar nas crianças. Para elas, o dia seguinte ao Natal é até melhor, pois é dia de usufruir as novidades. É dia de viver sem se preocupar com essa história de espírito natalino, de possíveis hipocrisias, de desejos e votos inócuos. Criança não faz esforço pra ser amável, gentil, carinhosa e boa de coração, apenas num dia específico. Criança é o que é. E pronto. A gente devia era fazer como elas. No dia seguinte, a gente devia descer para as ruas e playgrounds do mundo inteiro, compartilhar brinquedos, caros ou baratos, largá-los de lado, brincar de pique, amarelinha, bandeirinha, com os que nada ganharam. Observar insetos, correr atrás de bolinhas de sabão. Reclamar, brigar. Ficar de mal. Ficar de bem. Não guardar mágoas, nem rancores. Perdoar. Ser solidários. Livres de preconceitos. Alegres. Celebrando e aproveitando a dádiva do presente. Quem sabe ainda não dá tempo?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Uma Tarde no Museu da Língua...

Talvez eu possa dizer que aquela era a minha primeira vez em São Paulo. De fato, era a primeira vez que eu tentava conhecer um pouco da cidade em tão poucos dias. Havia chegado com minha irmã e as crianças com intuito de brincar, conhecer os parques de diversão espalhados pela cidade. Mas não conseguiria voltar sem visitar o Museu da Língua Portuguesa. Para mim, isso soava quase como um pecado. Deixei minha irmã e as crianças na casa de uma amiga de longa data, que havia muito tempo que não víamos. Amiga de infância, que assim nos apresentou à sua pequena: “esses são amigos da mamãe de muito, muito tempo. Desde que a mamãe tinha seu tamanho. A gente já brincou muito, a gente já brigou muito. E veja só, até hoje a gente fica feliz por se encontrar.” Ela disse o essencial, pensei. Brincamos e brigamos juntos. Vivemos juntos. Criamos vínculos indeléveis. Escrevemos uma história. Juntos. E, mesmo depois de tanto tempo, pudemos dispensar as formalidades. A intimidade conquistada na infância estava preservada. Como se nunca tivéssemos parado de brincar e brigar juntos. Éramos os mesmos amigos de outrora. Mas isso é prosa pra outro momento. Voltemos ao Museu.

Cruzei novamente a cidade inteira com ajuda da mocinha do GPS. Um calor daqueles pra carioca nenhum colocar defeito. Ainda mais num carro alugado sem ar condicionado, sem direção hidráulica. Enfim, com quatro rodas e mais nada. A previsão de Raquel, minha amiguinha do GPS, era que chegaríamos de volta ao hotel em aproximados vinte minutos. Levei uma hora e meia. Já estava me acostumando. Ela nunca acertava. Afinal, acho que ela ainda não havia percebido que nós estávamos em São Paulo. Senti saudade dos meus engarrafamentos no Rio. Fui para o Museu de ônibus. Caminhei da Augusta até a Consolação e esperei um ônibus que me levasse à Estação da Luz. O Museu da Língua encontra-se instalado no prédio da antiga e belíssima estação de metrô. Na chegada, fui recebido por um belo sorriso de D. Cora Coralina, cuja foto estava estampada em um livreto logo na entrada. Dona Cora Coralina na porta já tornou o ambiente o mais acolhedor possível, era como se eu fosse visitar uma casa simples, daquelas que a pessoa já pede pra gente não reparar, e a gente senta à mesa, ela serve um café na caneca de ágata branca com friso preto, parte um pedaço de broa de milho, e a gente fala da vida, conta novidades e, mesmo sem querer, a gente acaba reparando que a “sabedoria se aprende com o corriqueiro, com o simples da vida”.

A exposição atual tinha como tema ninguém menos que o poeta português Fernando Pessoa. Sim, ele mesmo. O primeiro poeta de que me dei conta na vida, cujos versos na voz passional de Maria Bethânia haviam me impressionado e despertado a minha própria poesia há alguns anos atrás. O Poeta me recebeu como quem recebe um velho amigo. Não sem deixar de ser cerimonioso, obviamente. Então, fui seguindo seus passos. Descobrindo novos e já conhecidos versos, como quem vai atrás do dono da casa, que segue à frente abrindo portas, acendo luzes, enquanto a gente vai espiando cada cômodo, reparando na mobília, no bom gosto da decoração, enfim, tentando criar intimidade com o ambiente. O melhor ainda estava por vir. Seguimos para o terceiro andar. Em uma sala de projeção, bastante aconchegante, fomos convidados a assistir a um vídeo sobre a origem da nossa Língua. Sobre as influências, sobre os diferentes modos de falar o português em Portugal, no Brasil, em Angola, Moçambique, Cabo Verde etc. Obviamente, que a minha Cantora, com sua voz de trovão, para mim, de tão íntima, inconfundível, veio também me ciceronear. A ela coube dizer a palavra “amor”. Fez-me sentir em casa. Aquela maravilhosa sensação de chegar numa festa cheia de gente estranha, num lugar ainda desconhecido, e dar de cara com amigos de longa data. Fomos convidados a penetrar no mundo das palavras, um mundo por trás da tela, onde as palavras tomam forma, solidificam-se e voam sobre nossas cabeças e sob nossos pés. Lá dentro, fui tomado por uma emoção sem par quando ouvi uns versos de Monteiro Lobato, num diálogo entre a boneca Emilia e o senhor Sabugo:

"– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"
Emocionei-me por reconhecer nessa sabedoria genuína, a sabedoria que me havia ensinado, quando ainda muito novinho, um de meus sobrinhos, que também contava os dias justamente através de “dorme-e-acorda”. Lembrei-me dele, ainda molequinho, falando: “Tio, faltam quantos ‘dorme-e-acorda’ pra gente ir à praia?”. E ele ficava feliz quanto menor fosse o número de ‘dorme-e-acorda’ que restasse. Sabedoria de criança, sabedoria de quem vê o mundo simples como ele deve ser. Sem complicar. E, sem nem desconfiar, nem se preocupar, como convém às crianças, ele, que mal sabia falar, citava Monteiro Lobato.

Senti como nunca um orgulho imensurável pelo privilégio de falar a mesma língua da Emília e do senhor Visconde, a mesma língua de Monteiro Lobato, de D. Cora Coralina, de Bethânia, de Drummond, de João Cabral de Melo Neto, de Guimarães Rosa, de Jorge Amado. Satisfação em poder ouvir e sentir como só um nativo da língua portuguesa pode sentir, a essência, a verdade das palavras ditas nas canções de Ari Barroso, Vinícius de Morais, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Cartola, Paulo Cesar Pinheiro e tantos outros. Enfim, orgulho de pronunciar “coqueiro” tão brasileiramente como Dorival Caymmi, ou seja, “sem perder sequer um quinto de vogal”.

Deixando pra trás toda aquela gente querida, aqueles nobres inquilinos do Museu da Língua, saí com um bem estar daqueles de quando acabamos de cumprir uma visita que estávamos devendo não era de hoje. E assim foi. A gente se encontrou, depois de tanto tempo, e papo vai, papo vem, as horas passaram e eu nem me dei conta. Saindo pelo alto da Estação, avistei aquela multidão, que se apinhava esperando o trem. Brasileiros de todo canto. Gente de todo jeito. De muitos sotaques. Voltando cansada pra casa, depois de um dia de trabalho árduo. Gente que passa por ali todos os dias e, em sua grande maioria, segue alheia aos vizinhos de cima. Muitos ali, personagens típicos da poesia de Drummond, de D. Cora Coralina, das estórias de Guimarães Rosa e João Cabral e que, certamente, nunca nem ouviram falar desse pessoal todo. Fiquei ali observando, meio constrangido até, um tanto envergonhado, talvez, de enxergar tanta poesia naquilo tudo. Tratei de ir embora antes que desconfiassem. Saí da frente pra não atrapalhar aquela gente apressada, que não tinha tempo a perder com essa história de poesia, tinham era que correr pra casa, pra preparar a janta, lavar o uniforme, colocar os meninos pra fazer o dever. Dei uma última olhada pra trás, e de lá da varanda, vi o Poeta a me procurar na multidão, acenando, gritando: “E, então, valeu a pena?”. E, eu que já tinha aprendido, respondi de pronto: “Sim, valeu. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.



Mensagem de Natal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Desejo a você toda fisico-química do mundo...

Que a noite de Natal e todos os dias do ano que se aproxima sejam de baixa pressão e altíssima temperatura, para que tudo possa fluir com comportamento o mais próximo possível do ideal. Que Deus seja a nossa fonte de corrente contínua, tendo o Amor como anodo, capaz de atrair toda sorte de carga negativa – ódio, desarmonia, inveja – e oxidá-las, aumentando seu Nox, tornando-as, senão positivas, pelo menos, neutras. Que no ano vindouro, nossas vidas tenham uma d.d.p. positiva e bem elevada, que sejamos geradores de energia, com anodo com baixíssimo potencial de redução, para repelir toda carga negativa, e um catodo capaz de absorvê-la e neutralizá-la com bastante eficiência. Que tenhamos uma boa ponte salina para manter o equilíbrio e a movimentação das espécies carregadas. Frente às dificuldades do cotidiano, tenhamos um alto potencial de redução, para que nada, nem ninguém, possam nos oxidar.
        
Que no convívio com pessoas de Ka muito elevado – fortemente ácidas – possamos, em contrapartida, apresentar-lhes um Kb também elevado, para que nossa base, nossos princípios, sejam fortes o suficiente para neutralizar qualquer tipo de intrigas e desavenças. Nos momentos de fraqueza, procuremos estar juntos de nosso par conjugado, para que sejamos capazes de tamponar nosso meio e, frente às pequenas perturbações externas, alterar o mínimo possível nosso [–log(AZ)]. Tenhamos Fé no Princípio de Le Chatelier, pois nosso equilíbrio pode até ser perturbado, mas a gente sempre reage com o intuito de restabelecê-lo. Que tenhamos quantidade suficiente de solvente para diluir nossos problemas e mantermo-nos cada vez mais distantes da saturação. Que nossa paciência tenha um Kps bem pequenininho, para que ela nunca se dissolva. Que o produto iônico entre os nossos sonhos e a nossa força de vontade seja grande o suficiente para produzirmos realizações bastante sólidas e com pé no chão. Que a Alegria tenha em nossas vidas um Kc elevadíssimo para que nosso equilíbrio tenda a dias de muitas reações de riso e gargalhadas. Quando estivermos tristes, que nos afastemos de ambientes onde a tristeza já esteja disseminada, pois de outra forma vai ser muita mais difícil dissolvê-la, devido ao efeito do íon comum. Que nossas soluções sejam concentradas na gentileza, no perdão e no amor ao próximo. Que busquemos a simplicidade das soluções básicas, e então adicionemos algumas gotas de azul de bromotimol, afim de que tudo fique azul ou se, preferirem, fenolftaleína, para um mundo mais cor de rosa.

Que a gente tenha por perto alguém para provocar em nós reações endotérmicas, fornecendo muito calor ao nosso sistema, e dando, é claro, aquela bagunçada de leve na nossa vida, aumentando assim nossa entropia, para que o nosso delta G seja sempre menor que zero, preservando assim a nossa espontaneidade. Se a coisa tiver muito difícil de ser solucionada de uma vez só, divida em etapas, some esforços. Segundo a Lei de Hess, nós já sabemos que o resultado final vai ser o mesmo. Que nossos contatos tenham energia suficiente para provocar em nós choques efetivos. Que a gente não perca tempo com espécies pelas quais não temos afinidade, porque não adianta, não vai rolar reação, não vai rolar química! Se nossas neuroses e complexos estiverem muito ativados, saibamos escolher o melhor catalisador, aquele que seja capaz de diminuir a energia de ativação e fornecer-nos um caminho alternativo, mais rápido e eficiente. Frente às dificuldades, tenhamos sempre em mente que se a gente esquentar demais, nossos pensamentos aumentam sua energia cinética, agitam-se demais, provocando reações rápidas e impulsivas. Lembrem-se, no entanto, que a reação diante das dificuldades é exotérmica, portanto se a gente esquenta muito a cabeça, o equilíbrio se desloca no sentido dos problemas, e o rendimento certamente vai cair. Portanto, é preciso ter sangue frio para deslocar o equilíbrio no sentido de produzir soluções mais eficazes. A reação pode até ser mais lenta, mas o rendimento vai ser bem melhor. A parcimônia, nesses casos, pode ser um ótimo catalisador. Que a gente possa, frente às coisas boas da vida, aumentar nossa superfície de contato, afim de que seja maior a nossa interação. Que na lei de velocidade das nossas vidas, pessoas felizes, alto-astral, de bom caráter, tenham alto grau de influência, que vivamos com elas as etapas mais lentas de nossas vidas, e que as pessoas negativas e invejosas sejam de ordem zero.

Que sejamos hipotônicos frente ao Amor, a Paz, a Esperança e hipertônicos frente ao rancor, à raiva, a inveja e a desesperança. Se não tiver jeito, que a gente coloque então um pouco de sal grosso nas nossas soluções, para aumentar os efeitos coligativos. Pelo menos assim, demoraremos mais a entrar em ebulição e será bem mais difícil fundir a nossa cuca. Se for necessário, mude de fase. Se o caminho para atingirmos uma fase mais fluida estiver nos consumindo muito energia e mantendo-nos sob pressão constante, tracemos outra estratégia: muitas vezes, diminuir a pressão e sublimar é uma ótima alternativa. Que a nossa Saúde tenha um pressão de vapor bastante elevada, para que não evapore com tanta facilidade. Que a gente mantenha uma tensão superficial adequada, para evitar que as coisas afundem tão facilmente em nossas vidas, mas que não seja tão grande, a ponto de nos fazer explodir de uma hora pra outra. Se tivermos que engolir sapos, que eles pelo menos tenham uma viscosidade baixa, para poderem escoar mais tranquilamente.

Que na noite de Natal, e em todos os dias do Ano Novo, possamos estar em estado coloidal, cheios do efeito Tyndall, para que possamos absorver a Luz do Menino Jesus em nossas vidas... num tremendo movimento browniano, ziguezagueando, festejando pra lá e pra cá, aglutinados entre amigos, e protegidos por nossa camada de solvatação – nossa família – mantendo-nos bem leves, estáveis, com o espírito em suspensão, e sem perigo de precipitação. Enfim, que a gente consiga colocar em prática as resoluções de Ano Novo desde o início do mesmo, porque assim o ano vai ser bem mais tranquilo. Porém, se a preguiça não deixar, e a gente vacilar, não se esqueça de que sempre é possível melhorar. Se no fim de tudo, as coisas continuarem complicadas, não podemos nunca perder a esperança na recuperação. Além do mais, se nem tudo der certo no próximo ano, sempre haverá um novo ano pra gente reagir e tentar novamente. Um feliz e abençoado Natal e um Ano Novo cheio de realizações tanto físicas quanto químicas.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Lua

A lua é o que há de mais belo, para mim, na natureza. É comum quando estou dirigindo à noite e, numa curva qualquer, dou de cara com aquela imensa lua altaneira no céu, eu ficar desconcertado. Fico sem saber o que fazer, mas ao mesmo tempo, me vem uma sensação de que devo fazer algo, como se existisse essa obrigação. É instintivo. Nunca me acostumo com sua beleza, nunca deixa de ser solene a visão, o encontro repentino com a lua. Geralmente, o que me vem à cabeça é fazer um sinal da cruz. Talvez por se esta a reação que tenho sempre que deparo com algo que eu creio sagrado. Algumas vezes eu canto uma canção que tenha a palavra lua, outras eu rezo, penso em Deus, no meu amor... Gosto de ver a lua cheia, mas me encanta também vê-la minguando, sendo coberta por uma sombra. Me faz lembrar que a vida é um ciclo. Que a sombra é passageira. Dias de lua cheia sempre vêm novamente. Todas as vezes que eu vejo a lua, eu me sinto assim... parte de algo muito maior.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Catando a poesia

Hoje, caminhando pela rua, vi brilhar no chão uma moedinha de dez centavos. Lembrei-me de um dos textos do último livro que li do Rubem Alves, onde ele conta uma história de um rapaz que sonhava em ter uma flauta. Como não tinha dinheiro para comprar o instrumento, o rapaz foi juntando as moedas que encontrava pela rua, até que certo dia conseguiu comprar uma daquelas flautas doce de plástico. Seu desejo era na verdade um flauta transversal para concerto, mas como ele mesmo disse: “levaria um tempo enorme para ajuntar dinheiro para comprar a flauta de concerto catando moedas pelo chão...”. O Rubem Alves já havia contado essa história num de seus livros. Uma leitora se comoveu e ofereceu ao flautista uma flauta italiana que havia sido de seu pai. A partir daí, o rapaz se matriculou em um conservatório, formou-se em regência e passou a dedicar a sua vida a formar orquestras com os meninos pobres de sua cidade natal no Ceará. Quando li essa história, logo me veio à mente os versos da canção “As vitrines” do Chico Buarque: “passas sem ver teu vigia catando a poesia que entornas no chão.” (Sugestão: clique e ouça a canção enquanto lê)

Fiquei pensando no vigia da canção, no flautista da vida real. Fiquei pensando nas escolhas que fazemos na vida, nas coisas que catamos pelo caminho. Na canção do Chico, ele sugere que o tal vigia recolhe a poesia que sua musa vai largando pelo caminho. A poesia, para mim, não está no que ela entorna pelo chão, mas no que o vigia consegue enxergar naquilo que ela deixa transbordar. A poesia está nos olhos do poeta e não exatamente no objeto de sua admiração. Outros talvez a vissem passar e nem percebessem nada. Deixassem talvez escapar a poesia largada, desperdiçada, até que ela se misturasse à poeira, se degradasse, se desfizesse... Quem sabe nem mesmo ela tivesse se dando conta que entornava alguma poesia pelo caminho? Assim como as pessoas que largaram sem perceber suas moedas pelo chão.

O flautista do texto do Rubem Alves não catava moedas simplesmente, ela catava fragmentos de um sonho. Paciente, ele transformou o desperdício, o resto, a sobra, a falta de valor em música, em esperança para tantas crianças. Ele não se deixou intimidar pela dificuldade, por aquele pensamento, que nos faz muitas vezes transformar o difícil em impossível, nos faz desistir antes mesmo de começar. O sonhador não desanimou. Fez a sua parte. Deu ao universo, possibilidades de agir em seu favor.

Assim como o vigia, como o flautista, cada um de nós tem a opção de encarar a vida de várias maneiras. A vida ganha as cores e os contornos que nossos olhos atribuem a ela. Para alguns, talvez, ela nem colorida seja. É como estar diante de uma escultura de Michelangelo, de um quadro de Monet, ou ouvir uma canção de amor na voz de Bethânia, ou ainda ler uma poesia de Cora Coralina ou de Fernando Pessoa. Em cada um de nós essas coisas despertarão sentimentos e emoções distintas. Há certamente os que consigam não enxergar beleza alguma em nenhuma delas.

A beleza da vida nasce da nossa capacidade de enxergá-la bela. Uma flor roxa na beira da estrada pode ser nada mais do que uma flor roxa na beira da estrada. Mas para quem tem olhos de poeta, a flor na beira da estrada é uma fonte inesgotável de beleza, de lembranças, de devaneios. O poeta quer registrá-la, guardá-la para sempre em sua memória. “De uma imagem isolada pode nascer um universo”, nos diria Bachelard. Tudo depende do querem enxergar os olhos de quem olha.

E nós? Quantas vezes, pela estrada, já não nos deparamos com tantas moedinhas pelo chão e largamos pra lá porque julgamos não valer nada? Ou, ainda, quantas moedinhas nós temos deixado para trás, sem nos darmos conta de que estas coisas “sem valor”, estes pequenos gestos podem fazer a diferença na vida de outrem. Por outro lado, será que estamos atentos à poesia que escoa pelas nossas vitrines e galerias? Que tipo de coisas a gente anda catando pela vida afora? Ou melhor, com que olhos nós temos enxergado o que o mundo vem largando pelo nosso caminho? Temos transformado coisas sem valor em sonhos, em esperança? Será que estamos também nós entornando poesia por onde passamos?

Enquanto vou refletindo, ouço as outras belíssimas canções do Chico na voz cristalina da Gal, porque a vida com trilha sonora fica muito mais interessante. A música alimenta minha alma e desembaraça a minha visão. Assim fica muito mais fácil de enxergar e catar a poesia espalhada pelo chão da vida.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Espontaneidade

Dia desses, sentado num penhasco a beira-mar, na Ponta da Lagoinha em Búzios-RJ, vi um albatroz pousado no alto de uma pedra, com aquele olhar de iminência, fitando o mar e o imenso céu azul à sua frente. Fiquei pensando: em que momento, e o que leva este pássaro a tomar a decisão de alçar voo? O que o faz sair daquela posição de conforto e se jogar ao sabor do vento, dar uns voos rasantes bem rentes ao mar e depois voltar para o mesmo lugar e fitar novamente a imensidão azul, até que decide ir embora de fato. Acabei de ver um vídeo antigo, no qual minha sobrinha, que havia aprendido a andar há pouco tempo, corre à beira da praia, seguindo a água quando o mar recua e voltando desesperadamente quando as ondas se aproximam. Uma liberdade, uma inocência. O que passa pela cabeça de uma criança quando, sentada em algum lugar, decide correr, brincar, molhar os pés, sorrir. Achei que ela e o pássaro tinham tanto em comum. Em que momento da vida a gente perde essa espontaneidade? Essa liberdade?

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

E agora que já crescemos?

“O que você quer ser quando crescer?”, este era o tema da redação que a jovem professora propunha aos meninos de sua classe. Todos, mais do que prontamente, trataram de escrever seus textos, mas para o pequeno Nicolau, responder àquela pergunta não parecia tarefa muito simples. Ele não sabia. Nunca havia parado para pensar no assunto. Esta é uma das primeiras cenas do filme “O Pequeno Nicolau” (“Le Petit Nicolas”, 2009), que assisti em DVD neste último fim de semana. É um filme muito delicado, de um humor muito sutil e inteligentíssimo. Aliás, uma história que retrata o cotidiano de crianças não poderia ser diferente. Afinal de contas, existem seres mais espontâneos, livres e inteligentes dos que as crianças? O filme é uma delícia de se ver. Cenas hilárias. Muitas gargalhadas. E, além de tudo, uma mensagem muito interessante. A história se desenrola baseada numa visão muito particular e numa lógica muito própria às crianças. Depois de muita confusão, o pequeno chega à conclusão de que, quando crescer, o que ele quer mesmo é fazer as pessoas rirem. Não deveria ser este o anseio de todos nós? Despertar a alegria nas pessoas que nos cercam?

Mas fazer os outros rirem é o bastante? “Eu faço os outros rirem. Mas quem me faz rir?” era a pergunta que o palhaço Pangaré fazia a si mesmo em determinado momento do filme “O Palhaço”, de Selton Mello. Benjamim, diferentemente do palhaço que encarnava, era sério, grave, pensava demais. Este já havia crescido. Talvez em algum momento de sua vida, assim como o pequeno Nicolau, tenha desejado também fazer os outros rirem. Ou simplesmente seguiu o caminho que lhe parecia mais óbvio. Filho de palhaço, Benjamim, pela primeira vez se deu conta que havia se tornado um palhaço sem identidade. Sem comprovante de residência. Benjamim se sentiu sufocado pela vida. Desejou trilhar outros caminhos. Questionou. O tempo do “o-que-você-vai-ser-quando-crescer” já havia chegado. Mas será que ele estava naquele lugar que um dia, quando menino, desejou estar? Fazendo aquilo que um dia ele sonhou fazer? . “É isso mesmo que eu quero da minha vida?”. Quem de nós, em algum momento, não se fez esta pergunta?

A angústia de Benjamim veio à tona e transbordou dos olhos do palhaço. O palhaço não ria mais e, portanto, não podia fazer rir. Benjamim tinha uma dúvida. O desconhecido, a vida lá de fora, por um instante, lhe pareceu tão mais atraente. Benjamim ansiava por algo que lhe desse novo frescor, que oxigenasse suas ideias, que trouxesse novos ares à sua vida, tão cheia de problemas e cobranças. Benjamim desejou experimentar algo de novo. Com lenço, mas sem documento, saiu em busca de sua identidade. Porém, nada melhor do que a realidade nua e crua para nos fazer entender onde está de fato a nossa felicidade, para nos fazer enxergar que mesmo uma vida feliz, tem seus momentos difíceis. Momentos em que a gente tem vontade de desistir. Mas para suportar a dureza da vida é preciso fazer o que realmente nos dá prazer, o que nos enleva, o que provoca em nós o gozo necessário para contrastar com as dificuldades do dia a dia.

Assim, Benjamim se encontrou novamente, se pintou novamente. O palhaço teve coragem de voltar, de refazer seu caminho. Desta vez, porém, a alegria deixou de ser um disfarce em seu rosto. Ela se tornou verdadeira, transformou-se em qualidade da alma, armou tenda na essência de seu ser. Suas tintas não precisavam mais cobrir a angústia evidente em seu rosto, nem dissimular a infelicidade que atormentava seu coração. Pois, finalmente, o palhaço entendeu a simplicidade da vida. “Cada um deve fazer aquilo que sabe fazer. O gato bebe leite, o rato come queijo, e o palhaço – como também desejou o pequeno Nicolau – faz os outros rirem”.

O que têm em comum o menino Nicolau e o palhaço Pangaré? O menino é o desejo e o palhaço a realização. O menino é o sonho, o palhaço a realidade alcançada. A jornada de Benjamim é o caminho que deveria ser percorrido por todos nós para o reencontro e a prestação de contas com o menino, que questiona: “agora que tu já cresceste quem tu és?”. Será que já somos capazes de prestar contas ao menino? Somos, enfim, a realização do sonho do pequeno que fomos um dia? Ou ainda fazemos infeliz, frustrado, o menino que ainda vive em nós?

Todos nós deveríamos levar embaixo do braço para o resto da vida, a resposta que demos um dia àquela pergunta inicial. “O que você quer ser quando crescer”. Pois, só seremos felizes quando nos dedicarmos a realizar os sonhos do menino, a dar respostas aos anseios da criança, que fomos um dia e que nunca deveríamos ter deixado de ser.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Cheirinho de manga

Quando a gente é criança, a gente senta embaixo da mangueira e espera o vento derrubar a manga. A gente come a manga e ela tem cheiro e gosto de manga. E tudo que a gente quer é sentir o cheiro e o gosto da manga. A gente fica velho, e quando come a manga, ela não é mais simplesmente a manga, agora ela tem o cheiro e o gosto dos tempos em que a gente sentava embaixo da mangueira e tinha a vida inteira pra esperar a manga cair. Pra sentir o cheiro da manga. O gosto da manga. Sem pensar em mais nada. Tem gente grande que evita comer manga. Diz que é porque os fiapos grudam nos dentes.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Por favor, preservem o palavrão!

Sinceramente, para mim, a pior coisa que pode acontecer a um palavrão é ele cair na desgraça de poder ser falado sem o menor pudor na novela das oito. É a banalização em seu grau mais efetivo e danoso. E quando o palavrão vira coisa banal, perde completamente o efeito. Porque o segredo de um bom palavrão é a arte de saber empregá-lo no momento certo e com a devida entonação. Pois só assim ele cumpre seu papel milenar de exorcizar, de lavar a alma, de aliviar as tensões. Mas pra isso, é necessário que ao falar o palavrão a gente sinta um quê de transgressão. Ou um toque de revolta.


Infelizmente, o destino de todo bom palavrão é se tornar banal. Parece que não tem jeito. O efeito de um bom palavrão dura, na maioria das vezes, o tempo de uma única geração. Minha avó, por exemplo, usava o “putzgrila” – que eu nunca entendi de fato o significado – sem o menor problema. Mas pra falar outros palavrões, ela solenemente anunciava: “com licença da má palavra”, e a gente se virava pra ela, esperando ansiosamente que ela soltasse um palavrão bem cabeludo, e ela dizia: “merda!”. E morria de vergonha. Vovó era da geração do “putzgrila”, falar “merda” era sua maior transgressão pública. Ela falava apenas quando estava realmente muito chateada. Já minha mãe falava o “merda” sem nenhum problema. Com o tempo até as crianças falavam “merda”, e ninguém mais se espantava. Logo foi parar na novela das oito, como a “bunda” também.

O tempo fechava lá em casa quando minha mãe gritava um belo e sonoro “porra”. “Eu já falei que é pra enxugar esta “porra” deste banheiro, pra não largar esta “porra” desta toalha na cama, pra levantar a “porra” da tampa da privada antes de mijar”. Meus pais e meus tios eram todos da geração do “merda”, e a ousadia maior era soltar um “porra” de vez em quando. Mas só quando a ocasião exigia.

Para os que são da minha geração, falar “porra” não tem mais tanta graça. Não alivia. Não exorciza. Banalizou. Perdeu a força semântica. A gente já não fala “porra” com tanta veemência. Com tanta raiva. Virou vírgula. A gente usa e nem sente. Com certeza não é esse palavrão que eu solto, por exemplo, quando dou uma topada na rua ou quando meu vizinho liga a furadeira às oito da manhã. Dia desses, cheguei até a ouvir um “porra” falado numa novela. O que demonstra a decadência total também do “porra” como instrumento de expressão da insatisfação humana.

Palavrão que pra mim tem efeito de palavrão é outro bem mais pesado. Esse eu só solto em ocasiões muito especiais. É ele que meu cérebro identifica como a forma mais eficiente de exorcizar todos os demônios. É a forma mais genuína e instintiva de mostrar minha insatisfação com alguma coisa ou alguma situação. É a ele que eu recorro quando não me restam mais alternativas. Não uso no meu dia a dia. Economizo pra não banalizar. Só falo em momentos muito passionais, porque se me deixo levar pela razão, meu superego me castra e não consigo falar este palavrão de jeito nenhum. Na presença de mais velhos, nem pensar. No entanto, como a minha geração já é uma geração do século passado, esse nosso palavrão tão eficiente já está em estado avançado de banalização. É uma pena. Pois daqui a pouco ele também vai perder este efeito libertador que sempre nos causou.

Os mais jovens, por exemplo, já falam este palavrão sem a menor vergonha, sem nem perceber que estão falando. Usam de qualquer maneira, sem cuidado. Completa falta de zelo pelo bem público. Um desleixo total. Em época de empobrecimento do vocabulário, esse tal palavrão virou substituto pra muitas palavras, e exerce as mais diversas funções gramaticais. Com uma entonação adequada, ele pode ser substantivo, adjetivo, advérbio de intensidade, interjeição. Nós, os mais velhos – da geração do “porra” – ainda nos espantamos ao ouvi-lo e criticamos o uso desmedido do mesmo. Talvez por instinto de proteção desse nosso patrimônio histórico e cultural, dessa nossa ferramenta de desabafo e transgressão, que é o “caralho”. Por isso, peço encarecidamente aos jovens e adolescentes que não banalizem o “caralho”. Preservem a sua função tão importante. E aqui me atenho apenas à função linguística e psicológica do vocábulo chulo, da palavra de baixo calão. Pois não consigo imaginar um substituto a sua altura.

Certamente que dizer este palavrão em alto e bom som, separando todas as sílabas, falando pausadamente e estendendo o segundo “a” pra enfatizá-lo, já não causa a esta geração mais nova os mesmos efeitos libertários que minha geração sente ao poder gritar o bom e velho CA – RAAAAAAAAAAAA – LHO! Isso tira o peso de qualquer problema, dá um gás, renova as forças de qualquer ser humano.

O que será de nós quando o “caralho” começar a ser falado nas novelas das oito? A quem mais poderemos recorrer? Por isso, queridos jovens, economizem, usem com parcimônia e respeito. Vocês parecem não ter o mínimo critério. Usam pra enfatizar coisas boas e ruins. Sejam mais cautelosos e solenes. Guardem para ocasiões que realmente mereçam o seu emprego. Não usem nas salas de aula, pelos corredores das escolas, em ambientes mais formais, na frente de qualquer um. Por favor, preservem este que pode ser o último dos palavrões cascudos da nossa língua. E eu, que muito raramente falo palavrão, estou certo de que a vida sem um palavrãozinho pra aliviar de vez em quando, vai ser “foda” de aturar.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Sem chances de abortar a missão

Uma equipe de astronautas completou nesta semana uma experiência que simulou uma viagem de ida e volta ao planeta Marte. Um grupo de seis homens de diferentes partes do mundo ficou confinado numa “nave espacial” localizada num prédio em Moscou desde o dia 3 de junho de 2010. O objetivo do projeto era fazer uma simulação de uma missão a Marte da forma mais próxima possível da realidade. Os astronautas, por exemplo, só podiam tomar banho uma vez por semana, se “comunicar” com o planeta Terra respeitando o tempo real que levaria para uma mensagem de verdade ir da Terra até Marte, etc. A ideia da experiência era avaliar a resposta do grupo às condições psicológicas que uma tripulação real teria que suportar, como por exemplo, o espaço reduzido da nave e a falta de contato com o mundo exterior por tanto tempo. Desta vez, a equipe obteve êxito após alcançar mais de 500 dias de confinamento. Na primeira tentativa, a missão foi abortada no centésimo quinto dia, pois um dos tripulantes tentou beijar uma astronauta a força e outros dois quase saíram no tapa.


Fiquei imaginando se tivéssemos a chance de experimentar certas situações da nossa vida antes de encararmos as mesmas de fato. Seríamos, quem sabe, colocados numa espécie de cápsula em que todas as emoções seriam previamente simuladas e, assim, teríamos a chance de aprender a lidar com as adversidades da vida, saber se suportaríamos as consequências de certas escolhas, testar as mais diversas possibilidades de se resolver um problema, sempre podendo voltar atrás pra tentar outro caminho, outra solução menos danosa. Escolher uma carreira que nos levasse ao sucesso e à plena satisfação profissional, podendo vivenciar suas vantagens e desvantagens. Encontrar a pessoa certa, o amor da sua vida, testando  por quanto tempo vocês seriam capazes de suportar seus defeitos e suas idiossincrasias, por exemplo. Muitos de nossos momentos difíceis, muitas de nossas crises, de nossas preocupações poderiam ser evitadas. Poderíamos tomar a decisão sempre mais acertada, aquela que nos causasse os menores desgastes, etc. Ao fim de tudo, teríamos talvez o certificado de aptidão para o cumprimento de nossa missão da forma mais brilhante possível.

Mas como diz a canção do Caetano, “a vida é real e de viés” e não tem essa de poder simular, experimentar antes, fazer test-drive. Porque a vida não tem roteiros. A nós é vetada a chance de ensaios prévios. A vida real não permite playback, não há como rebobinar a fita, apagar e regravar por cima. É ao vivo, sempre. Não tem garantias nem rígidas cláusulas contratuais de proteção ao consumidor. Não temos, de fato, o controle de todas as condições externas. Muitas vezes, podemos dar conta apenas das nossas atitudes. E olhe lá. Viver é sempre pra valer, é sempre à vera. É como jogar-se de um trapézio, esperando que alguém te segure do outro lado, é como andar na corda bamba, nem sempre contando com a proteção de uma rede pra amortecer a queda. É, enfim, um exercício diário de equilíbrio e confiança em si próprio e nos outros. E, sinceramente, vida programada, previamente ensaiada, não teria a menor graça, seria insossa e tediosa.

Na vida real não existem simuladores nem cápsulas que deem jeito. Pois que viver se aprende, vivendo. E é aí que se esconde a tal beleza da vida. No desafio diário de manter-se equilibrado, apesar dos percalços e adversidades do caminho. É essa falta de linearidade e de certezas que acaba dando sentido a nossa existência e que torna a vida tão interessante a todo momento. Até que se prove o contrário, só temos essa vida para obtermos êxito na empreitada. Portanto, não há chances de abortar a missão.  Só temos uma única opção: fazê-la dar certo!  E sem essa de parar o mundo, que eu que quero descer.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Frações de segundos

Certos acontecimentos mexem de tal forma com a gente que, por mais que se tente esquecer, marcam nossas vidas tão intensamente, que fica impossível não tentar tirar alguma reflexão, algum ensinamento. Era manhã do dia 13 de outubro de 2011, estávamos a caminho da pequena cidade de Barreirinhas, em direção ao Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses. No meio da viagem, fizemos uma parada para um lanche, uma ida ao banheiro. Na TV da lanchonete, imagens de um acidente ocorrido no centro da cidade do Rio de Janeiro chamaram minha atenção. Uma explosão ocorrida em um restaurante. As imagens do momento exato da explosão foram registradas pelas câmeras da prefeitura. A gente fica espantada com as cenas, faz algum comentário, decide experimentar o famoso guaraná Jesus. Volta ao ônibus. Segue viagem. A vida continua.


As imagens captadas se repetiriam ao longo dos dias. Cotidiano corriqueiro. Pessoas conversando. Dia comum. Rotina se repetindo. No canto direito da tela, vê-se um rapaz caminhando. De repente, numa fração de segundos, o inesperado. Aqueles momentos de um cotidiano comum, que nunca chamariam a atenção de ninguém, foram jogados pelos ares. O jovem rapaz, que por volta das sete da manhã se encaminhava para mais um dia de trabalho, passava em frente ao restaurante no instante exato da explosão. Foi jogado a alguns metros de distância. Morreu aos dezenove anos de idade. É óbvio que tudo poderia ter sido evitado se as condições de segurança do restaurante tivessem sido levadas a sério, se a fiscalização fosse eficiente, etc. Não foi uma fatalidade. Dois funcionários do restaurante também morreram.

Algumas pessoas diriam tratar-se do destino. Outras culpariam o acaso. Eu fiquei mesmo foi pensando no que poderia estar passando pela cabeça daquele menino. Fiquei mais uma vez surpreso com a fragilidade de nossa existência. No quanto é tênue o limite que separa a vida da morte. Porque independentemente de culpados, talvez o tempo de amarrar o cadarço do tênis, o tempo para postar alguma bobagem no Facebook, ou quem sabe o tempo de uma parada na banca de jornal para ler as últimas notícias do esporte, um sinal fechado ou aberto, frações de segundos, poderiam ter feito a diferença na vida daquele garoto. Quantos planos, quantos sonhos literalmente despedaçados num tempo quase impossível de quantificar.

Lembrei-me dos meus dezenove anos. Essa idade foi marcante pra mim. Por uma besteira. Completei 19 anos no dia 19 de julho de 1991. Na época, achei interessante a coincidência de tantos dezenoves juntos. O fato é que naquele ano, eu conheci pessoas que estão presentes na minha vida até hoje, muitos de meus melhores amigos. Foi também o ano que comecei a Universidade. E a sensação que tenho é que até então eu era apenas um sonho, um desejo de ser o que sou hoje. Ele também provavelmente era um projeto de um futuro sonhado, imaginado. Um futuro a ser construído com o esforço diário. Aos dezenove anos trabalhando como caixa num banco. Provavelmente estudando a noite. Fazendo planos.

Quando cheguei de viagem, separei o jornal do dia seguinte à tragédia para saber mais sobre a vida do rapaz. Não tive tempo. A cada dia novas notícias, novos acontecimentos. Ninguém fala mais nisso. A vida é assim.

É óbvio que não dá pra viver achando que a qualquer momento seremos atingidos por uma explosão. Assim como não dá pra viver esperando ganhar na Megasena pra ser feliz. Sorte, azar, acaso podem até mudar nossas vidas, mas não dá pra viver em função disso. Pra mim, essa história de vivermos cada dia como se fosse o último é balela. É humanamente impossível manter a calma e o equilíbrio o tempo todo. No entanto, não dá pra viver achando que somos imortais e teremos todo tempo do mundo pra recuperar o tempo perdido com preocupações e mágoas inúteis. Tudo na medida certa. Nem tanto ao mar nem tanto à terra, como diriam os mais sábios.

A verdade é que não podemos garantir nada além de nossas próprias atitudes. Portanto é melhor tentar ser feliz a cada instante, valorizar cada momento da vida. Exercitar a paciência, a compreensão, a parcimônia. Respeitar também os momentos de fraqueza, perdoar a si mesmo muitas vezes. Ser feliz não significa estar alegre o tempo todo. Momentos de tristeza também constroem uma vida feliz. Alguém por aí já disse: “entre ser feliz e ter razão, eu prefiro ser feliz!”. Penso que seja um bom caminho.