quarta-feira, 30 de novembro de 2011

E agora que já crescemos?

“O que você quer ser quando crescer?”, este era o tema da redação que a jovem professora propunha aos meninos de sua classe. Todos, mais do que prontamente, trataram de escrever seus textos, mas para o pequeno Nicolau, responder àquela pergunta não parecia tarefa muito simples. Ele não sabia. Nunca havia parado para pensar no assunto. Esta é uma das primeiras cenas do filme “O Pequeno Nicolau” (“Le Petit Nicolas”, 2009), que assisti em DVD neste último fim de semana. É um filme muito delicado, de um humor muito sutil e inteligentíssimo. Aliás, uma história que retrata o cotidiano de crianças não poderia ser diferente. Afinal de contas, existem seres mais espontâneos, livres e inteligentes dos que as crianças? O filme é uma delícia de se ver. Cenas hilárias. Muitas gargalhadas. E, além de tudo, uma mensagem muito interessante. A história se desenrola baseada numa visão muito particular e numa lógica muito própria às crianças. Depois de muita confusão, o pequeno chega à conclusão de que, quando crescer, o que ele quer mesmo é fazer as pessoas rirem. Não deveria ser este o anseio de todos nós? Despertar a alegria nas pessoas que nos cercam?

Mas fazer os outros rirem é o bastante? “Eu faço os outros rirem. Mas quem me faz rir?” era a pergunta que o palhaço Pangaré fazia a si mesmo em determinado momento do filme “O Palhaço”, de Selton Mello. Benjamim, diferentemente do palhaço que encarnava, era sério, grave, pensava demais. Este já havia crescido. Talvez em algum momento de sua vida, assim como o pequeno Nicolau, tenha desejado também fazer os outros rirem. Ou simplesmente seguiu o caminho que lhe parecia mais óbvio. Filho de palhaço, Benjamim, pela primeira vez se deu conta que havia se tornado um palhaço sem identidade. Sem comprovante de residência. Benjamim se sentiu sufocado pela vida. Desejou trilhar outros caminhos. Questionou. O tempo do “o-que-você-vai-ser-quando-crescer” já havia chegado. Mas será que ele estava naquele lugar que um dia, quando menino, desejou estar? Fazendo aquilo que um dia ele sonhou fazer? . “É isso mesmo que eu quero da minha vida?”. Quem de nós, em algum momento, não se fez esta pergunta?

A angústia de Benjamim veio à tona e transbordou dos olhos do palhaço. O palhaço não ria mais e, portanto, não podia fazer rir. Benjamim tinha uma dúvida. O desconhecido, a vida lá de fora, por um instante, lhe pareceu tão mais atraente. Benjamim ansiava por algo que lhe desse novo frescor, que oxigenasse suas ideias, que trouxesse novos ares à sua vida, tão cheia de problemas e cobranças. Benjamim desejou experimentar algo de novo. Com lenço, mas sem documento, saiu em busca de sua identidade. Porém, nada melhor do que a realidade nua e crua para nos fazer entender onde está de fato a nossa felicidade, para nos fazer enxergar que mesmo uma vida feliz, tem seus momentos difíceis. Momentos em que a gente tem vontade de desistir. Mas para suportar a dureza da vida é preciso fazer o que realmente nos dá prazer, o que nos enleva, o que provoca em nós o gozo necessário para contrastar com as dificuldades do dia a dia.

Assim, Benjamim se encontrou novamente, se pintou novamente. O palhaço teve coragem de voltar, de refazer seu caminho. Desta vez, porém, a alegria deixou de ser um disfarce em seu rosto. Ela se tornou verdadeira, transformou-se em qualidade da alma, armou tenda na essência de seu ser. Suas tintas não precisavam mais cobrir a angústia evidente em seu rosto, nem dissimular a infelicidade que atormentava seu coração. Pois, finalmente, o palhaço entendeu a simplicidade da vida. “Cada um deve fazer aquilo que sabe fazer. O gato bebe leite, o rato come queijo, e o palhaço – como também desejou o pequeno Nicolau – faz os outros rirem”.

O que têm em comum o menino Nicolau e o palhaço Pangaré? O menino é o desejo e o palhaço a realização. O menino é o sonho, o palhaço a realidade alcançada. A jornada de Benjamim é o caminho que deveria ser percorrido por todos nós para o reencontro e a prestação de contas com o menino, que questiona: “agora que tu já cresceste quem tu és?”. Será que já somos capazes de prestar contas ao menino? Somos, enfim, a realização do sonho do pequeno que fomos um dia? Ou ainda fazemos infeliz, frustrado, o menino que ainda vive em nós?

Todos nós deveríamos levar embaixo do braço para o resto da vida, a resposta que demos um dia àquela pergunta inicial. “O que você quer ser quando crescer”. Pois, só seremos felizes quando nos dedicarmos a realizar os sonhos do menino, a dar respostas aos anseios da criança, que fomos um dia e que nunca deveríamos ter deixado de ser.

Um comentário:

  1. Lindo texto Dedé!
    Amei! Não sei se teria coragem de me enfrentar criança, cheio de desejos e sonhos... Ainda há tanto a realizar... Suspiros...
    Parabéns pelo brilante texto!

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