sábado, 31 de dezembro de 2011

Inventário dos Momentos do Ano de 2011

Se eu tivesse que fazer um inventário dos momentos especiais de 2011, certamente, estariam listados entre eles:
A primeira noite do ano em frente ao Lago Lanqhuiue e o vulcão Osorno, no Chile. Nunca tinha visto um céu tão estrelado (***).



Na travessia dos lagos no Chile, ler “viver a dois nunca significa que cada um fica com a metade. É preciso se revezar para dar mais do que se recebe (...). Um dos dois entra na escuridão enquanto o outro fica de fora, segurando a Lua no céu” (Marlena de Blasi, Mil Dias em Veneza), minutos depois de ter vivido isso na prática. (***).


Ter participado da alegria dos meus sobrinhos nos Parques em São Paulo. A tarde passada com minha irmã na casa da Analu, com Dona Cecília, em São Paulo.


Ter visitado as casas de Pablo Neruda, em especial a da Isla Negra, com Marcos, Rosana e Jorge. Numa delas foi emocionante ouvir a citação “O homem que não brinca, perdeu para sempre a criança que vivia nele e que lhe fará muita falta”.


As Exposições sobre Fernando Pessoa no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo e a da Cora Coralina no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ.


Ter lido o poema “Estas Mãos” de Cora Coralina.


Meu pai, aparecendo com o Marcos, pra me socorrer com o pneu furado.


As incríveis caminhadas pelas ruas, parques e jardins de Londres (***).


As viagens de carro pelas estradas da Toscana (Itália) e do Vale do Loire (França). Andar de bicicleta à margem do Arno em Firenze ou pelo bosque do Chateau de Chambord na companhia de Marcos, Renata e Dani.


A incrível fachada da Catedral de Milão.


Ter serpenteado à noite pelas ruas de Veneza, ou do outro lado da cidade, fugindo da multidão de turistas com Marcos e Renata.


Todos os gelatos na companhia da Renata e do Marcos na Itália.


A sensação inexplicável de estar de frente à escultura do Davi de Michelangelo em Florença.


A inesperada “La traviata” na Piazza dela Signoria com Marcos e Renata. O Marcos, e seu humor pseudo-mau-humor, lembrando o desenho do Pica-pau!


Eu, Renata e Marcos perdidos no bosque na Toscana e a italiana-da-teta-livre tentando nos ajudar sem falar uma palavra de inglês, português, espanhol... “il treno ... blem blem ... vicino ... um buon inglese!”.


O banho de piscina e o anoitecer na incrível Pousada nas montanhas de Assis. (***)


A beleza incontestável da Basílica de São Pedro no Vaticano.


O momento eu comigo mesmo na chuva nos Jardins de Versailles no dia do meu aniversário. Depois o jantar a noite com meus amigos Marcos, Dani e Renata em Paris. Em pensar que eu comemorei muitos aniversários em Parada de Lucas!


A ansiedade e o encontro na Basílica de Santa Teresinha em Lisieux.


A festa “surpresa” na casa da tia Angela, na Vila da Penha, na volta da viagem.


Os momentos inúteis à margem do São Francisco com Marcos, Dani, Renata e Romney, os Ipês amarelos pela estrada, ouvir os baiões de Luiz Gonzaga e Brasileirinho à noite em Piranhas, e se acabar de tanto rir com a história da “Piranhuda” contada pela Renata.


O tercinho “doado” pela Dona Conceição quando comprei o carro novo.


As Ave-Marias rezadas pela alma da minha avó no caminho do trabalho ao passar pela Capela de Nossa Senhora da Conceição atrás do Hospital Gaffreé e Guinle na Tijuca.


As últimas madrugadas de gargalhadas altas tão longe e tão perto dos meus amigos Carlos e Edney. “Beijo no ombro e pah!”.


O sonho em que eu desejei que minha avó estivesse viva novamente e quando cheguei à casa dela (no sonho), ela realmente estava, e me sorriu, me abraçou novamente... Era mentira. Era sonho. Mas acordei feliz por ter tido aqueles segundos tão reais com ela novamente. Senti seu cheiro, sua pele, seu carinho novamente.


O fim de semana com toda a família na Pousada Cantinho da Roça comemorando os 60 anos de minha mãe. A primeira vez da minha mãe no Cristo Redentor.


A abertura da carta com a notícia do 1º Lugar no concurso de poesias com a minha poesia predileta: “Sobrado”.


Minha azaleia florescendo o ano inteiro.


Minha calopsita “Léo” cantando toda vez que me vê e me ouve cantando também.


Os minutos de paz em companhia perfeita e a vista do mar da Ponta da Lagoinha em Búzios-RJ (***).


O fim de tarde e o por do sol à beira do rio Preguiças, em Barreirinhas – MA, com Marcos e as novas amigas Patricia e Verônica.


A ótima convivência com minha equipe de trabalho Alda, Carla, Adriana, Erlandsson, Kaíza, Neusa e Marcia. As ótimas histórias divididas na sala dos professores com os colegas do IFRJ. Os momentos divertidos nas aulas com os alunos.


O bilhetinho escrito pela minha sobrinha Mariana “Você é o melhor tio do mundo...” e logo depois o mesmo bilhete entregue para o Marcos. Todos os momentos com meus sobrinhos Lucca, Matheus, Duda e Mariana.


Os livros "A poética do devaneio" (Gaston Bachelard); "Confesso que vivi" (Pablo Neruda); "Coleção Melhores Poemas" (Cora Coralina); “Memórias Inventadas” (Manoel de Barros); “Para não dizer adeus” (Lya Luft); “Carta entre amigos” (Gabriel Chalita e Fabio de Melo);"Do Universo à Jabuticaba" (Rubem Alves) e “Para Francisco” (Cristina Guerra).


Os filmes “A árvore do amor”, “O Pequeno Nicolau”; “A Língua das Mariposas” e “Escritores da Liberdade”.


O especial “Ivete Gil Caetano”. A interpretação de Ivete em “Atrás da Porta” de Chico Buarque. Ouvir a Elis cantando a mesma canção no carro indo para a ceia de natal. E não se deprimir por isso!


O encantamento com a voz e as canções da Adele. O DVD “Adele Live At The Royal Albert Hall”. Isso é muito surpreendente.


As tardes de quinta-feira na terapia.


A falta de um CD novo de Maria Bethânia.


Os inúmeros beijos dados pelo meu avô e a alegria sempre estampada no rosto dele quando ele me vê todos os sábados e me diz: “meu neto Doutor, quanto tempo que não te vejo!” e o diálogo inicial de sempre: Eu digo: “Sua benção, vô. Tudo bem?” e ele responde: “Melhor agora que estou te vendo!”. A doce falta de memória que nunca o impede de ser tão carinhoso.


A interação com meus alunos e amigos mais distantes no facebook. A troca de mensagens e a possibilidade de compartilhar minhas ideias no meu blog com amigos com os quais não é possível conviver mais perto fisicamente.


A visita inesperada da Simara e do Max.


O cineminha “cabeça” com Cristiane e Simone.


Mais uma confraternização e amigo-oculto de fim de ano com meus amigos mais queridos. As declarações de afeto e as experiências que nos permitimos viver juntos. A falta de cobrança.


A tarde do último dia do ano na casa da minha mãe, fazendo coisas bem corriqueiras, comendo, rindo alto. Ter estourado confetes com meu avô.


A promessa de um Reveillon especial na casa da Rê com amigos queridos.
Obrigado a todas as pessoas que fizeram o meu ano de 2011 tão incrível. Que 2012 seja tão bom, ou melhor, quanto!



sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Principalmente, para os meus alunos.

Mexendo nas minhas memórias, ou melhor na memória do meu PC, encontrei esse poema que escrevi há mais de 20 anos. Nessa época, eu era apenas o sonho do que sou hoje. Tinha a idade de muitos dos meus alunos. Por isso, lembrei-me deles, de seus sonhos, de seu esforço diário, das dúvidas todas... da vontade de vencer. Nessa mesma  época, um professor muito especial me fez conhecer essa música e essa cantora (clique aqui para ouvir).




O poema é pueril, ingênuo talvez... mas foi por acreditar naquela tal Esperança, que eu fui além, eu realizei, eu sou dois... E hoje sou uma pessoa muito feliz. E ainda cheia de sonhos e coisas para realizar. Porque isso é o que no mantém vivos: o sonho! Tudo isso pode parecer clichê, mas a vida é cheia de clichês mesmo.


É isso então o que eu desejo a todos vocês, meus alunos, ex-alunos e futuro alunos! Meus amigos todos. Acreditem! Sonhem! Mantenham o foco! Estudem! Levantem-se! Mais à frente, abram suas gavetas, seus guardados, seus ipod’s e pendrives, fechem os olhos, relembrem e concluam, como eu conclui, o quanto valeu a pena cada noite mal dormida, o esforço, o cansaço... Sucesso para vocês!

A perserverança é a ponte que ligará os teus sonhos à realização!


E como para se realizar sonhos é preciso braços, segue outro poema também da mesma época! É uma alegria imensa dividir os meu dias com vocês. Às vezes a gente reclama, se chateia, briga, dá lição de moral, bate no quadro, na mesa, dá piti... Mas, verdadeiramente, eu não não seria tão feliz, se eu não tivesse numa sala de aula. E, certamente, o que tornou o meu ano de 2011 melhor, foi chegar todos os dias na escola e ouvir: "bom dia, Professor!". A sensação de que a brincadeira de criança continua... não tem preço. E ela continua!

Meu abraço a todos. Feliz 2012. A gente só não precisava se re-encontrar tão cedo, mas tudo bem?! Tá valendo!


terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O lixo do natal

Passando pela rua, na manhã seguinte às festas do Natal, o dia nublado, a chuva fina que caía, já contrastavam enormemente com o lindo dia de sol e de céu azul que havia feito na véspera. Desviando-me das montanhas de lixo pelas calçadas, lembrei-me – pra variar – dos idos tempos da infância. Lembrei-me do lixo do natal.


A véspera do Natal tinha sempre aquele clima de espera, de ansiedade. A gente ficava pela rua, brincando, completamente livre dos compromissos da escola – eu sou da época em que 180 dias letivos eram suficientes para “educar” (e muito bem) uma criança –, até que a mãe da gente aparecia no portão ou na janela, e gritava nosso nome, composto, se fosse o caso, anunciando a hora do banho. Em qualquer outro dia das férias, essa era a pior hora, mas na véspera de Natal, não. Era hora de se arrumar para o grande momento. Nesse dia, a gente tomava banho direitinho, esfregava os pés, tirava o cordão de caraca do pescoço, e nem precisava voltar pra lavar a cabeça direito, porque até creme-rinse – era assim que se chamava condicionador naquela época – a gente passava sem a necessidade de um puxão de cabelo ou um tabefe na cabeça, durante a vistoria pós-banho-mal-tomado, comum naqueles tempos. Na casa da vovó, as crianças todas arrumadinhas iam surgindo, com seus cabelinhos penteados, suas marias-chiquinhas repuxando os olhos, a roupa nova, o tênis que ainda machucava o calcanhar, ou a sandália com algodão na ponta. A cada tio ou tia que ia chegando, a gente tentava dar uma disfarçada, mas os olhos já iam rapidamente fazendo a varredura, pra ver se havia e qual era o tamanho do presente, torcendo, obviamente, pra que não fosse roupa. A mesa, lotada de comida, não fazia muita diferença, o interessante mesmo era depois da ceia, quando o vovô, com um soquete de cozinha ou um espremedor de alho, esmigalhava os coquinhos – nozes, amêndoas e avelãs – e a gente comia até se fartar. Após as devidas euforias e decepções com presentes, a gente se juntava num cantinho qualquer da casa, montava o Ferrorama, exibia a boneca que declamava poemas, o Aquaplay, o Playmobil, a maquininha de fazer pipoca, até não aguentar mais e cair no sono por ali mesmo. Criança não se preocupava em desejar coisas boas, em falar palavras bonitas, em ser diferente naquela noite. Simplesmente, guardava o presente e jogava o restante no lixo.

No dia seguinte, a gente acordava cedo e ia pra rua, ansiosa por mostrar o melhor presente que havia ganhado. No lixo de natal, as caixas de papelão, os restos de embalagens pelas calçadas, já denunciavam o que cada um dos amiguinhos traria para a rua. Era só esperar.

Hoje, andando pela calçada, reparei que, no lixo de natal de algumas casas, misturados aos restos de papel de presente, ossos de peru, cascas de nozes e avelãs, já se encontravam – devidamente quebrados, amassados, esquecidos – o amor, a gentileza, a compreensão, a paz e a esperança, aqueles sentimentos todos, devotados na noite anterior. O espírito natalino já havia sido descartado. Do Natal, restaram apenas a azia e a má-digestão, a tortura de ter de trocar presentes, a culpa de ter comido além da conta, o gosto ruim na boca, a ressaca. O vazio.

Natal deveria ser todo dia. E a gente devia era se espelhar nas crianças. Para elas, o dia seguinte ao Natal é até melhor, pois é dia de usufruir as novidades. É dia de viver sem se preocupar com essa história de espírito natalino, de possíveis hipocrisias, de desejos e votos inócuos. Criança não faz esforço pra ser amável, gentil, carinhosa e boa de coração, apenas num dia específico. Criança é o que é. E pronto. A gente devia era fazer como elas. No dia seguinte, a gente devia descer para as ruas e playgrounds do mundo inteiro, compartilhar brinquedos, caros ou baratos, largá-los de lado, brincar de pique, amarelinha, bandeirinha, com os que nada ganharam. Observar insetos, correr atrás de bolinhas de sabão. Reclamar, brigar. Ficar de mal. Ficar de bem. Não guardar mágoas, nem rancores. Perdoar. Ser solidários. Livres de preconceitos. Alegres. Celebrando e aproveitando a dádiva do presente. Quem sabe ainda não dá tempo?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Uma Tarde no Museu da Língua...

Talvez eu possa dizer que aquela era a minha primeira vez em São Paulo. De fato, era a primeira vez que eu tentava conhecer um pouco da cidade em tão poucos dias. Havia chegado com minha irmã e as crianças com intuito de brincar, conhecer os parques de diversão espalhados pela cidade. Mas não conseguiria voltar sem visitar o Museu da Língua Portuguesa. Para mim, isso soava quase como um pecado. Deixei minha irmã e as crianças na casa de uma amiga de longa data, que havia muito tempo que não víamos. Amiga de infância, que assim nos apresentou à sua pequena: “esses são amigos da mamãe de muito, muito tempo. Desde que a mamãe tinha seu tamanho. A gente já brincou muito, a gente já brigou muito. E veja só, até hoje a gente fica feliz por se encontrar.” Ela disse o essencial, pensei. Brincamos e brigamos juntos. Vivemos juntos. Criamos vínculos indeléveis. Escrevemos uma história. Juntos. E, mesmo depois de tanto tempo, pudemos dispensar as formalidades. A intimidade conquistada na infância estava preservada. Como se nunca tivéssemos parado de brincar e brigar juntos. Éramos os mesmos amigos de outrora. Mas isso é prosa pra outro momento. Voltemos ao Museu.

Cruzei novamente a cidade inteira com ajuda da mocinha do GPS. Um calor daqueles pra carioca nenhum colocar defeito. Ainda mais num carro alugado sem ar condicionado, sem direção hidráulica. Enfim, com quatro rodas e mais nada. A previsão de Raquel, minha amiguinha do GPS, era que chegaríamos de volta ao hotel em aproximados vinte minutos. Levei uma hora e meia. Já estava me acostumando. Ela nunca acertava. Afinal, acho que ela ainda não havia percebido que nós estávamos em São Paulo. Senti saudade dos meus engarrafamentos no Rio. Fui para o Museu de ônibus. Caminhei da Augusta até a Consolação e esperei um ônibus que me levasse à Estação da Luz. O Museu da Língua encontra-se instalado no prédio da antiga e belíssima estação de metrô. Na chegada, fui recebido por um belo sorriso de D. Cora Coralina, cuja foto estava estampada em um livreto logo na entrada. Dona Cora Coralina na porta já tornou o ambiente o mais acolhedor possível, era como se eu fosse visitar uma casa simples, daquelas que a pessoa já pede pra gente não reparar, e a gente senta à mesa, ela serve um café na caneca de ágata branca com friso preto, parte um pedaço de broa de milho, e a gente fala da vida, conta novidades e, mesmo sem querer, a gente acaba reparando que a “sabedoria se aprende com o corriqueiro, com o simples da vida”.

A exposição atual tinha como tema ninguém menos que o poeta português Fernando Pessoa. Sim, ele mesmo. O primeiro poeta de que me dei conta na vida, cujos versos na voz passional de Maria Bethânia haviam me impressionado e despertado a minha própria poesia há alguns anos atrás. O Poeta me recebeu como quem recebe um velho amigo. Não sem deixar de ser cerimonioso, obviamente. Então, fui seguindo seus passos. Descobrindo novos e já conhecidos versos, como quem vai atrás do dono da casa, que segue à frente abrindo portas, acendo luzes, enquanto a gente vai espiando cada cômodo, reparando na mobília, no bom gosto da decoração, enfim, tentando criar intimidade com o ambiente. O melhor ainda estava por vir. Seguimos para o terceiro andar. Em uma sala de projeção, bastante aconchegante, fomos convidados a assistir a um vídeo sobre a origem da nossa Língua. Sobre as influências, sobre os diferentes modos de falar o português em Portugal, no Brasil, em Angola, Moçambique, Cabo Verde etc. Obviamente, que a minha Cantora, com sua voz de trovão, para mim, de tão íntima, inconfundível, veio também me ciceronear. A ela coube dizer a palavra “amor”. Fez-me sentir em casa. Aquela maravilhosa sensação de chegar numa festa cheia de gente estranha, num lugar ainda desconhecido, e dar de cara com amigos de longa data. Fomos convidados a penetrar no mundo das palavras, um mundo por trás da tela, onde as palavras tomam forma, solidificam-se e voam sobre nossas cabeças e sob nossos pés. Lá dentro, fui tomado por uma emoção sem par quando ouvi uns versos de Monteiro Lobato, num diálogo entre a boneca Emilia e o senhor Sabugo:

"– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...] A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre. – E depois que morre?, perguntou o Visconde. – Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?"
Emocionei-me por reconhecer nessa sabedoria genuína, a sabedoria que me havia ensinado, quando ainda muito novinho, um de meus sobrinhos, que também contava os dias justamente através de “dorme-e-acorda”. Lembrei-me dele, ainda molequinho, falando: “Tio, faltam quantos ‘dorme-e-acorda’ pra gente ir à praia?”. E ele ficava feliz quanto menor fosse o número de ‘dorme-e-acorda’ que restasse. Sabedoria de criança, sabedoria de quem vê o mundo simples como ele deve ser. Sem complicar. E, sem nem desconfiar, nem se preocupar, como convém às crianças, ele, que mal sabia falar, citava Monteiro Lobato.

Senti como nunca um orgulho imensurável pelo privilégio de falar a mesma língua da Emília e do senhor Visconde, a mesma língua de Monteiro Lobato, de D. Cora Coralina, de Bethânia, de Drummond, de João Cabral de Melo Neto, de Guimarães Rosa, de Jorge Amado. Satisfação em poder ouvir e sentir como só um nativo da língua portuguesa pode sentir, a essência, a verdade das palavras ditas nas canções de Ari Barroso, Vinícius de Morais, Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Cartola, Paulo Cesar Pinheiro e tantos outros. Enfim, orgulho de pronunciar “coqueiro” tão brasileiramente como Dorival Caymmi, ou seja, “sem perder sequer um quinto de vogal”.

Deixando pra trás toda aquela gente querida, aqueles nobres inquilinos do Museu da Língua, saí com um bem estar daqueles de quando acabamos de cumprir uma visita que estávamos devendo não era de hoje. E assim foi. A gente se encontrou, depois de tanto tempo, e papo vai, papo vem, as horas passaram e eu nem me dei conta. Saindo pelo alto da Estação, avistei aquela multidão, que se apinhava esperando o trem. Brasileiros de todo canto. Gente de todo jeito. De muitos sotaques. Voltando cansada pra casa, depois de um dia de trabalho árduo. Gente que passa por ali todos os dias e, em sua grande maioria, segue alheia aos vizinhos de cima. Muitos ali, personagens típicos da poesia de Drummond, de D. Cora Coralina, das estórias de Guimarães Rosa e João Cabral e que, certamente, nunca nem ouviram falar desse pessoal todo. Fiquei ali observando, meio constrangido até, um tanto envergonhado, talvez, de enxergar tanta poesia naquilo tudo. Tratei de ir embora antes que desconfiassem. Saí da frente pra não atrapalhar aquela gente apressada, que não tinha tempo a perder com essa história de poesia, tinham era que correr pra casa, pra preparar a janta, lavar o uniforme, colocar os meninos pra fazer o dever. Dei uma última olhada pra trás, e de lá da varanda, vi o Poeta a me procurar na multidão, acenando, gritando: “E, então, valeu a pena?”. E, eu que já tinha aprendido, respondi de pronto: “Sim, valeu. Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.



Mensagem de Natal

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Desejo a você toda fisico-química do mundo...

Que a noite de Natal e todos os dias do ano que se aproxima sejam de baixa pressão e altíssima temperatura, para que tudo possa fluir com comportamento o mais próximo possível do ideal. Que Deus seja a nossa fonte de corrente contínua, tendo o Amor como anodo, capaz de atrair toda sorte de carga negativa – ódio, desarmonia, inveja – e oxidá-las, aumentando seu Nox, tornando-as, senão positivas, pelo menos, neutras. Que no ano vindouro, nossas vidas tenham uma d.d.p. positiva e bem elevada, que sejamos geradores de energia, com anodo com baixíssimo potencial de redução, para repelir toda carga negativa, e um catodo capaz de absorvê-la e neutralizá-la com bastante eficiência. Que tenhamos uma boa ponte salina para manter o equilíbrio e a movimentação das espécies carregadas. Frente às dificuldades do cotidiano, tenhamos um alto potencial de redução, para que nada, nem ninguém, possam nos oxidar.
        
Que no convívio com pessoas de Ka muito elevado – fortemente ácidas – possamos, em contrapartida, apresentar-lhes um Kb também elevado, para que nossa base, nossos princípios, sejam fortes o suficiente para neutralizar qualquer tipo de intrigas e desavenças. Nos momentos de fraqueza, procuremos estar juntos de nosso par conjugado, para que sejamos capazes de tamponar nosso meio e, frente às pequenas perturbações externas, alterar o mínimo possível nosso [–log(AZ)]. Tenhamos Fé no Princípio de Le Chatelier, pois nosso equilíbrio pode até ser perturbado, mas a gente sempre reage com o intuito de restabelecê-lo. Que tenhamos quantidade suficiente de solvente para diluir nossos problemas e mantermo-nos cada vez mais distantes da saturação. Que nossa paciência tenha um Kps bem pequenininho, para que ela nunca se dissolva. Que o produto iônico entre os nossos sonhos e a nossa força de vontade seja grande o suficiente para produzirmos realizações bastante sólidas e com pé no chão. Que a Alegria tenha em nossas vidas um Kc elevadíssimo para que nosso equilíbrio tenda a dias de muitas reações de riso e gargalhadas. Quando estivermos tristes, que nos afastemos de ambientes onde a tristeza já esteja disseminada, pois de outra forma vai ser muita mais difícil dissolvê-la, devido ao efeito do íon comum. Que nossas soluções sejam concentradas na gentileza, no perdão e no amor ao próximo. Que busquemos a simplicidade das soluções básicas, e então adicionemos algumas gotas de azul de bromotimol, afim de que tudo fique azul ou se, preferirem, fenolftaleína, para um mundo mais cor de rosa.

Que a gente tenha por perto alguém para provocar em nós reações endotérmicas, fornecendo muito calor ao nosso sistema, e dando, é claro, aquela bagunçada de leve na nossa vida, aumentando assim nossa entropia, para que o nosso delta G seja sempre menor que zero, preservando assim a nossa espontaneidade. Se a coisa tiver muito difícil de ser solucionada de uma vez só, divida em etapas, some esforços. Segundo a Lei de Hess, nós já sabemos que o resultado final vai ser o mesmo. Que nossos contatos tenham energia suficiente para provocar em nós choques efetivos. Que a gente não perca tempo com espécies pelas quais não temos afinidade, porque não adianta, não vai rolar reação, não vai rolar química! Se nossas neuroses e complexos estiverem muito ativados, saibamos escolher o melhor catalisador, aquele que seja capaz de diminuir a energia de ativação e fornecer-nos um caminho alternativo, mais rápido e eficiente. Frente às dificuldades, tenhamos sempre em mente que se a gente esquentar demais, nossos pensamentos aumentam sua energia cinética, agitam-se demais, provocando reações rápidas e impulsivas. Lembrem-se, no entanto, que a reação diante das dificuldades é exotérmica, portanto se a gente esquenta muito a cabeça, o equilíbrio se desloca no sentido dos problemas, e o rendimento certamente vai cair. Portanto, é preciso ter sangue frio para deslocar o equilíbrio no sentido de produzir soluções mais eficazes. A reação pode até ser mais lenta, mas o rendimento vai ser bem melhor. A parcimônia, nesses casos, pode ser um ótimo catalisador. Que a gente possa, frente às coisas boas da vida, aumentar nossa superfície de contato, afim de que seja maior a nossa interação. Que na lei de velocidade das nossas vidas, pessoas felizes, alto-astral, de bom caráter, tenham alto grau de influência, que vivamos com elas as etapas mais lentas de nossas vidas, e que as pessoas negativas e invejosas sejam de ordem zero.

Que sejamos hipotônicos frente ao Amor, a Paz, a Esperança e hipertônicos frente ao rancor, à raiva, a inveja e a desesperança. Se não tiver jeito, que a gente coloque então um pouco de sal grosso nas nossas soluções, para aumentar os efeitos coligativos. Pelo menos assim, demoraremos mais a entrar em ebulição e será bem mais difícil fundir a nossa cuca. Se for necessário, mude de fase. Se o caminho para atingirmos uma fase mais fluida estiver nos consumindo muito energia e mantendo-nos sob pressão constante, tracemos outra estratégia: muitas vezes, diminuir a pressão e sublimar é uma ótima alternativa. Que a nossa Saúde tenha um pressão de vapor bastante elevada, para que não evapore com tanta facilidade. Que a gente mantenha uma tensão superficial adequada, para evitar que as coisas afundem tão facilmente em nossas vidas, mas que não seja tão grande, a ponto de nos fazer explodir de uma hora pra outra. Se tivermos que engolir sapos, que eles pelo menos tenham uma viscosidade baixa, para poderem escoar mais tranquilamente.

Que na noite de Natal, e em todos os dias do Ano Novo, possamos estar em estado coloidal, cheios do efeito Tyndall, para que possamos absorver a Luz do Menino Jesus em nossas vidas... num tremendo movimento browniano, ziguezagueando, festejando pra lá e pra cá, aglutinados entre amigos, e protegidos por nossa camada de solvatação – nossa família – mantendo-nos bem leves, estáveis, com o espírito em suspensão, e sem perigo de precipitação. Enfim, que a gente consiga colocar em prática as resoluções de Ano Novo desde o início do mesmo, porque assim o ano vai ser bem mais tranquilo. Porém, se a preguiça não deixar, e a gente vacilar, não se esqueça de que sempre é possível melhorar. Se no fim de tudo, as coisas continuarem complicadas, não podemos nunca perder a esperança na recuperação. Além do mais, se nem tudo der certo no próximo ano, sempre haverá um novo ano pra gente reagir e tentar novamente. Um feliz e abençoado Natal e um Ano Novo cheio de realizações tanto físicas quanto químicas.



segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Lua

A lua é o que há de mais belo, para mim, na natureza. É comum quando estou dirigindo à noite e, numa curva qualquer, dou de cara com aquela imensa lua altaneira no céu, eu ficar desconcertado. Fico sem saber o que fazer, mas ao mesmo tempo, me vem uma sensação de que devo fazer algo, como se existisse essa obrigação. É instintivo. Nunca me acostumo com sua beleza, nunca deixa de ser solene a visão, o encontro repentino com a lua. Geralmente, o que me vem à cabeça é fazer um sinal da cruz. Talvez por se esta a reação que tenho sempre que deparo com algo que eu creio sagrado. Algumas vezes eu canto uma canção que tenha a palavra lua, outras eu rezo, penso em Deus, no meu amor... Gosto de ver a lua cheia, mas me encanta também vê-la minguando, sendo coberta por uma sombra. Me faz lembrar que a vida é um ciclo. Que a sombra é passageira. Dias de lua cheia sempre vêm novamente. Todas as vezes que eu vejo a lua, eu me sinto assim... parte de algo muito maior.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Catando a poesia

Hoje, caminhando pela rua, vi brilhar no chão uma moedinha de dez centavos. Lembrei-me de um dos textos do último livro que li do Rubem Alves, onde ele conta uma história de um rapaz que sonhava em ter uma flauta. Como não tinha dinheiro para comprar o instrumento, o rapaz foi juntando as moedas que encontrava pela rua, até que certo dia conseguiu comprar uma daquelas flautas doce de plástico. Seu desejo era na verdade um flauta transversal para concerto, mas como ele mesmo disse: “levaria um tempo enorme para ajuntar dinheiro para comprar a flauta de concerto catando moedas pelo chão...”. O Rubem Alves já havia contado essa história num de seus livros. Uma leitora se comoveu e ofereceu ao flautista uma flauta italiana que havia sido de seu pai. A partir daí, o rapaz se matriculou em um conservatório, formou-se em regência e passou a dedicar a sua vida a formar orquestras com os meninos pobres de sua cidade natal no Ceará. Quando li essa história, logo me veio à mente os versos da canção “As vitrines” do Chico Buarque: “passas sem ver teu vigia catando a poesia que entornas no chão.” (Sugestão: clique e ouça a canção enquanto lê)

Fiquei pensando no vigia da canção, no flautista da vida real. Fiquei pensando nas escolhas que fazemos na vida, nas coisas que catamos pelo caminho. Na canção do Chico, ele sugere que o tal vigia recolhe a poesia que sua musa vai largando pelo caminho. A poesia, para mim, não está no que ela entorna pelo chão, mas no que o vigia consegue enxergar naquilo que ela deixa transbordar. A poesia está nos olhos do poeta e não exatamente no objeto de sua admiração. Outros talvez a vissem passar e nem percebessem nada. Deixassem talvez escapar a poesia largada, desperdiçada, até que ela se misturasse à poeira, se degradasse, se desfizesse... Quem sabe nem mesmo ela tivesse se dando conta que entornava alguma poesia pelo caminho? Assim como as pessoas que largaram sem perceber suas moedas pelo chão.

O flautista do texto do Rubem Alves não catava moedas simplesmente, ela catava fragmentos de um sonho. Paciente, ele transformou o desperdício, o resto, a sobra, a falta de valor em música, em esperança para tantas crianças. Ele não se deixou intimidar pela dificuldade, por aquele pensamento, que nos faz muitas vezes transformar o difícil em impossível, nos faz desistir antes mesmo de começar. O sonhador não desanimou. Fez a sua parte. Deu ao universo, possibilidades de agir em seu favor.

Assim como o vigia, como o flautista, cada um de nós tem a opção de encarar a vida de várias maneiras. A vida ganha as cores e os contornos que nossos olhos atribuem a ela. Para alguns, talvez, ela nem colorida seja. É como estar diante de uma escultura de Michelangelo, de um quadro de Monet, ou ouvir uma canção de amor na voz de Bethânia, ou ainda ler uma poesia de Cora Coralina ou de Fernando Pessoa. Em cada um de nós essas coisas despertarão sentimentos e emoções distintas. Há certamente os que consigam não enxergar beleza alguma em nenhuma delas.

A beleza da vida nasce da nossa capacidade de enxergá-la bela. Uma flor roxa na beira da estrada pode ser nada mais do que uma flor roxa na beira da estrada. Mas para quem tem olhos de poeta, a flor na beira da estrada é uma fonte inesgotável de beleza, de lembranças, de devaneios. O poeta quer registrá-la, guardá-la para sempre em sua memória. “De uma imagem isolada pode nascer um universo”, nos diria Bachelard. Tudo depende do querem enxergar os olhos de quem olha.

E nós? Quantas vezes, pela estrada, já não nos deparamos com tantas moedinhas pelo chão e largamos pra lá porque julgamos não valer nada? Ou, ainda, quantas moedinhas nós temos deixado para trás, sem nos darmos conta de que estas coisas “sem valor”, estes pequenos gestos podem fazer a diferença na vida de outrem. Por outro lado, será que estamos atentos à poesia que escoa pelas nossas vitrines e galerias? Que tipo de coisas a gente anda catando pela vida afora? Ou melhor, com que olhos nós temos enxergado o que o mundo vem largando pelo nosso caminho? Temos transformado coisas sem valor em sonhos, em esperança? Será que estamos também nós entornando poesia por onde passamos?

Enquanto vou refletindo, ouço as outras belíssimas canções do Chico na voz cristalina da Gal, porque a vida com trilha sonora fica muito mais interessante. A música alimenta minha alma e desembaraça a minha visão. Assim fica muito mais fácil de enxergar e catar a poesia espalhada pelo chão da vida.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Espontaneidade

Dia desses, sentado num penhasco a beira-mar, na Ponta da Lagoinha em Búzios-RJ, vi um albatroz pousado no alto de uma pedra, com aquele olhar de iminência, fitando o mar e o imenso céu azul à sua frente. Fiquei pensando: em que momento, e o que leva este pássaro a tomar a decisão de alçar voo? O que o faz sair daquela posição de conforto e se jogar ao sabor do vento, dar uns voos rasantes bem rentes ao mar e depois voltar para o mesmo lugar e fitar novamente a imensidão azul, até que decide ir embora de fato. Acabei de ver um vídeo antigo, no qual minha sobrinha, que havia aprendido a andar há pouco tempo, corre à beira da praia, seguindo a água quando o mar recua e voltando desesperadamente quando as ondas se aproximam. Uma liberdade, uma inocência. O que passa pela cabeça de uma criança quando, sentada em algum lugar, decide correr, brincar, molhar os pés, sorrir. Achei que ela e o pássaro tinham tanto em comum. Em que momento da vida a gente perde essa espontaneidade? Essa liberdade?