sexta-feira, 18 de maio de 2012

Meus mais doces bárbaros


Lembro-me de que vivia uma vida feliz.
Uma vida bem tranquila, cheia de coisas que me satisfaziam.
Cheia de bons momentos. Parecia que nada me faltava.
Cria que não podia melhorar!
Agora, não consigo mais entender, o que seria viver sem eles por perto!

Meu tesouro maior, a minha felicidade plena.
A razão da minha alegria. A luz que ilumina meus dias.
Talvez eles sejam a brisa que torna a minha caminhada mais serena.
Hoje, eles acendem em mim essa chama revigorante, essa coragem de seguir em frente.
Enternecem as minhas horas, tornam leves os meus dias.
Uma sensação de plenitude, de leveza, sempre me invade quando os tenho por perto.
Seus sorrisos largos, o carinho, o abraço, a pela macia, o beijo suave são dádivas divinas.

Deus me presenteou e me fez perceber o que realmente vale a pena.
Um amor que me transborda a alma, que me faz rejuvenescer.
Diante da inocência, da alegria, dos gestos tão espontâneos, da pureza de alma.
Ah, como poderia viver sem isso ao alcance?

Minha vida agora tem mais sentindo.
Agora, meus dias são mais bem vividos.
Riqueza de minha alma é o brilho de seus olhos dóceis.
Imaculada Virgem, peço-vos sem cessar.
Amparai-os, neste teu dia, minha Mãe Querida.
Não permitais que lhes faltem a graça e a paz que vêm de Deus.
Agora e sempre, protegei estes que são o meu tesouro maior.

(Tio Deda)

domingo, 13 de maio de 2012

Mãe, fonte de minha energia química!

       Neste dia dedicado àquela que há tanto nos transmite seu calor, seu carinho e amor, aproveito para agradecer à minha mãe querida, por ter sido o reator em que minhas primeiras reações químicas puderam ser realizadas. Sem você eu não seria possível. Obrigado por não permitir que, a princípio, meu equilíbrio fosse atingido. Por ter sido a fonte de tantos reagentes, sem os quais minhas reações não seriam deslocadas no sentido de gerar mais produtos. Quem diria, mãe, que você me faria experimentar tão cedo o Princípio de Le Chatelier? Logo eu, que crescendo dentro de você ia provocando uma confusão só, aumentando cada vez mais a sua entropia, consumindo sua energia livre, afim de que todas aquelas minhas reações não-espontâneas pudessem acontecer e meu organismo tão complexo pudesse se formar dentro de você. Obrigado por abrigar por tanto tempo a imensa quantidade de reações orgânicas, com todos aqueles mecanismos complicadíssimos, as inúmeras reações bioquímicas e suas rotas metabólicas dificílimas. Obrigado por ter sido a primeira vizinhança do meu sistema. Por ter fornecido calor para minhas reações endotérmicas e ter absorvido o calor liberado pelas minhas reações exotérmicas, com tanto carinho e disponibilidade. Por todo suor evaporado para manter nossa temperatura ideal. Obrigado por ter me fornecido toda aquela solução amniótica, de pH e pressão osmótica perfeitos para o meu desenvolvimento no seu ventre. E por ter carregado aquele volume todo de solução por tanto tempo. Desculpe-me por ter roubado tanto do seu Ca2+, mas era necessário para a formação da minha estrutura óssea. Valeu também pelas quantidades de íons ferro, foi essencial para a formação do meu sangue. Sei também que foram muitas moléculas de glicose sendo oxidadas a CO2(g) e muito O2(g) reduzido a H2O(l), muita transferência de elétrons, para gerar tanta energia durante aqueles tantos meses de gestação. Tantas enzimas para catalisar aquelas reações essenciais ao meu crescimento dentro de você. Obrigado por ter realizado toda aquela força para provocar o meu deslocamento para fora do seu corpo, valeu pelo trabalho muscular realizado! Obrigado também pelo seio que forneceu meu primeiro coloidezinho, cheio de nutrientes e proteção imunológica. E, mais tarde, pela paciência e dedicação ao seguir tantas vezes os procedimentos experimentais para preparar tão pacientemente minhas mamadeiras de amido de milho, meus chazinhos de erva-doce, minhas papinhas. Foram tantas misturas, diluições, agitações constantes, extrações, filtrações, fusões, evaporações, banhos-marias, banhos de gelo, aquecimentos, resfriamentos, tomadas de temperatura, enfim, tudo para que eu ficasse bem alimentado e satisfeito. Obrigado por toda atenção dedicada para me manter dentro das normas padrões de segurança e higiene. Obrigado pela fiscalização incansável e tão eficiente dos meus resíduos sólidos e líquidos. Sei que foram muitas noites mal dormidas, tentando manter minhas condições normais de temperatura e pressão.

Talvez essa mensagem nem faça tanto sentido pra você, talvez você nem leia, pois nem vai entender muito bem. Mas, o que importa mesmo, e o que eu queria que você soubesse, é que sem sua energia, sem suas reações químicas na minha vida, eu nada seria. Obrigado por cada átomo fornecido, por cada mol de reagentes, por cada caloria gasta, pela relação perfeita entre termodinâmica e cinética que você possibilitou. Obrigado por manter o equilíbrio, quando necessário. Enfim, obrigado, por ter me fornecido sua fronteira diatérmica para que eu sentisse minha primeira transferência de calor, quando você encostou pela primeira vez seu rosto no meu, me aqueceu, e me fez perceber o quanto seria importante para mim, manter relações físico-químicas com você por resto da vida. Mãe, obrigado por fazer minha vida tão espontânea!

terça-feira, 1 de maio de 2012

Uma pitada de sal

             Feriado, essa chuvinha fina que não passa, lembra-me de uma época em que, num dia como esse, eu acordava sem ter muito que fazer, e depois de tomar café da manhã num cantinho de mesa, entre panelas secando depois de ariadas, roupas tiradas da corda, ainda amarrotadas, aquela voz do locutor de programa de rádio AM já invadindo a casa desde cedo, eu ia me esquivando daquela confusão toda e subia pra casa de minha avó. Lá eu ficava às vezes apenas sentado na escadinha da área de serviço, vendo a chuvinha cair, trocando algumas palavras com meu avô, um tanto alheio à passagem do tempo, guardando aquele meu silêncio habitual. Em uma dessas oportunidades, eu ainda muito menino, vi minha avó preparando um mingau e pedi que me ensinasse a fazê-lo. Ela, com sua paciência de sempre, foi me dando todas as dicas. Depois de ensinar-me a receita completa e explicar cada detalhe de como preparar o mingau, ela disse que falaria então o segredo mais importante: “não se esqueça de colocar, por fim, uma pitada de sal!”. Obviamente que eu não consegui entender porque seria necessário acrescentar a uma receita doce uma pitada de sal. E mais ainda porque isso era tão importante. Então eu indaguei: “vó, mas pra que isso?”. Ao que ela muita sabiamente respondeu: “A pitada de sal aguça o sabor doce, a presença do sal torna o doce mais saboroso”. Na época, apenas registrei a informação. No entanto, como em muitas outras vezes, esses momentos de convivência com minha avó voltam à roda, à mente, e a maturidade me faz recriar, reinventar e reler a beleza de suas palavras e ensinamentos.

Minha avó acabara de me ensinar sua filosofia do contraste. A presença do oposto, do antagônico é sempre necessária para valorizar e dar sentido àquilo que efetivamente é a razão de nosso interesse, o objeto principal de nossa atenção, de nossos anseios e desejos. Há pouco tempo, li um texto de Bacherlard que também dizia alguma coisa neste sentido, neste caso, algo sobre a relação essencial entre a sede e a água. A sede é o que dá sentido à água. Só o sedento sabe como ninguém valorizar a água. Ou como diz o dito popular, “o melhor tempero é a fome”. A fome aguça o sabor. A treva traz significado à luz. Dias de chuva tornam os posteriores dias de sol ainda mais belos. A ausência dá sentido à presença. Assim, por exemplo, a saudade se torna coisa boa de sentir quando traz pra dentro da gente o que não se tem mais por fora. É o mecanismo de trazer o longe pra perto. Tornar presente o ausente, concreto o abstrato. Parece que essa é a lógica da vida. A necessidade de contrastes.

No entanto, a gente vive tentando fugir dessa realidade de antagonismos, sempre presentes e tão importantes de serem vivenciados. Parece que não queremos aceitá-la nunca. Não educamos e nem somos educados para ela. Vivemos a ilusão de que a felicidade é apenas um destino a ser alcançado e não uma estrada a ser percorrida. Idealizamos a felicidade como um estado de alma, onde a dor, o sofrimento, a tristeza não são possíveis de serem admitidos. Quando na verdade, é sabido que momentos tristes também constroem uma vida feliz. Fico muito angustiado, por exemplo, quando vejo pais criando seus filhos na infrutífera tentativa de protegê-los das decepções, dos percalços, da dor, e até mesmo da experiência da morte. Como se isso fosse possível. A dor, o sofrimento, a tristeza, obviamente, não são fáceis de serem vivenciados. Mas fato é que eles existem. Não temos como fugir. Lá em casa, graças a Deus, nunca nos foi negado o direito de experimentar a dor. Aprendemos desde cedo que a tristeza, o sofrimento, e mesmo a morte, faziam parte da vida. Minha avó sempre passou por estes percalços de forma muito digna. É claro que sofria, chorava. Mas nunca lamentava. Apenas respeitava, dava o tempo e importância devidos àqueles momentos. Mesmo quando perdeu filhos, não se entregou a ponto de sepultar com eles a sua alegria de viver. Encarava a dor com elegância. Pois, sabia que não era ela a responsável pelo sabor real da vida. A vida é doce, mesmo com suas pitadas de sal, ela sabia.

Por isso, seja essa de fato a grande sabedoria da vida. Entender que ela é feita de contrastes. Os quais são necessários, essenciais. Reais. O que não quer dizer que são fáceis. Mas é preciso vivenciá-los para que a vida imprima seu verdadeiro sentido. Por isso, é importante respeitar a dor, é preciso ter paciência, resignação e saber esperar o tempo dela passar. Porque ela passa. Sempre passa. A gente tem é que aprender a ter a medida certa. Buscar o tão cobiçado equilíbrio. A pitada de sal não pode ser tal que elimine o sabor doce do mingau, ensinava-me minha avó. O sal deve estar na medida certa. Nem mais nem menos. É preciso experimentar o amargo, o acre, afim de que se possa entender e verdadeiramente saborear o doce da vida. Talvez quando me alertou para aquele tal detalhe, minha avó não tivesse a verdadeira dimensão do quanto seu ensinamento seria importante para minha vida. E nem eu mesmo poderia supor.