segunda-feira, 25 de junho de 2012

Precisamos de um mundo mais estranho!

Il postino, Itália, 1994
Uma das melhores cenas do filme “O carteiro e o poeta”, para mim, é a que o poeta Pablo Neruda, conversando com seu carteiro, de frente para o mar, declama um poema que fala do próprio mar. O carteiro ouve o poema atentamente e quando o poeta lhe pergunta o que ele havia achado, ele responde: “estranho”. O carteiro então explica que havia achado estranho não o poema, mas a sensação, pois conforme o poeta recitava a poesia, ele sentia-se como que enjoado, mareado, como se ele mesmo fosse um barco navegando sobre aquelas palavras, que também iam num vai-e-vem, feito ondas no mar. O poeta então alerta para o fato de o carteiro ter acabado de fazer uma metáfora. Metáfora, palavra que há poucos instantes o pobre carteiro sequer havia ouvido falar.


A poesia é então esta metáfora que nos transporta para esse universo estranho que se encontra escondido nas entrelinhas das palavras propostas pelo poeta. A poesia, como de fato será vivenciada pelo leitor, não está ali escrita, não existe. Em verdade, ela nasce no exato momento em que o leitor a lê e se deixa levar, se deixa embriagar, entorpecer por aquelas palavras. Um poema é por assim dizer um sem fim de possibilidades, pois cada um de nós é único e se deixará transportar para um lugar único, particular. A poesia depende do nosso olhar. Apesar de estar formalmente fora de nós, ela nasce dentro de nós. As palavras penetram nossos olhos, nossos ouvidos, ressonam em nossas mentes, nossos corações, causando-nos certo incômodo, provocando-nos sensações estranhas, não necessariamente ruins, mas que nos fazem sentirmos vivos, pois acessam nossa alma. E é nesse exato instante que a poesia nasce dentro de nós. Nesse momento, já não somos mais o leitor e o poeta, somos o terceiro que surge desta relação mágica. Somos um. Somos únicos. A poesia nasce desse encantamento, dessa magia, desse mistério. E viva dentro de nós, ela nos altera de alguma maneira. Transforma-nos enfim.


A essência da poesia está por aí, flutuando entre nós, feito o pólen de uma flor, que o vento leva e faz passar bem suavemente diante de nossos olhos, querendo fecundar-nos a alma. No entanto, a poesia só ganha vida quando nossos olhos captam essa sua essência. Para tanto, é imprescindível que ela nos encontre ávidos, férteis. Prontos a sermos fecundados. Disponíveis a enxergar a metáfora. Dispostos a sentir a tal estranheza. A beleza do mundo não está no mundo em si, ela nasce e vive dentro de nós. Depende do nosso olhar. Portanto, é preciso ter olhos de enxergar a essência que flutua e roga por se tornar poesia.


Existem muitas formas de encarar a vida. Ao poeta é negada a chance de escolher dentre estas muitas formas. Sua sina é ver poesia em tudo. O poeta é esse um que quer nos fazer enxergar um mundo mais belo, onde o simples, o cotidiano, o corriqueiro, e até mesmo a dor e o sofrimento, querem ser enlevados. O poeta ilumina-nos a visão e nos permite apreciar um mundo que só a sua lente é capaz de fotografar. Feito guia, ele nos conduz por este mundo de contrastes, onde a alegria e a tristeza vivem de mãos dadas, onde a morte é necessária ao sentido da vida. Assim, quando nos deixamos guiar pelas mãos do poeta, quando nos entregamos à sua forma peculiar de encarar o mundo, somos contagiados pela essência da poesia e passamos também nós a enxergar esse mundo mais belo, mesmo que árduo e cansativo em certos momentos. E, ao nos deixarmos fecundar pela poesia, somos também poetas, pois só assim a poesia perpetua-se, mantém-se viva entre nós, não se extingue. Por isso, fiquemos atentos, pois sem a poesia o mundo não se sustenta. Tenhamos então olhos de poesia. Talvez, o que estejamos precisando é justamente desse mundo mais estranho. Enfim, deixemo-nos  tomar pela sua estranheza.


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