Pode parecer tolice, coisa de louco, pensamento de nerd ou sei lá o quê, mas é muito
reconfortante perceber que existem leis que regem o universo e seus processos
físico-químicos. De fato, quando a gente se dá conta desta obviedade, a vida
parece ter algum sentido. A forma como as coisas se repetem, os ciclos vitais,
demostram que por mais complexa que seja a vida, ela não é aleatória. E isso é
bom. A vida, o universo tem suas leis, seus princípios inabaláveis.
Como professor de físico-química há algum tempo, quando explicando
aos meus alunos alguma lei qualquer da termodinâmica ou, por exemplo, um
processo eletroquímico qualquer, por diversas vezes, já me peguei pensando no
quanto tudo isso é fascinante, o quanto tudo isso pode nos deixar mais seguros
diante da complexidade da vida. A ciência pode nos trazer soluções, pode nos
ensinar a viver, a encarar os problemas, a crer na solução deles. Existe um
caminho natural, espontâneo, para tudo, podemos de fato confiar. Podemos
confiar sempre nas leis da físico-química. Pelo menos dentro das condições a
que estamos submetidos naturalmente. Não precisamos nos preocupar, por exemplo,
que em algum momento, ao respirarmos ar, não haverá transformação química que
nos forneça energia, pois sempre que o oxigênio reagir com a glicose nas
condições de nosso organismo, haverá formação de gás carbônico e água, através
de uma reação espontânea e, portanto, geradora de energia. Pode parecer
idiotice, mas imaginem se isso não fosse verdade. Se houvesse a possiblidade da
aleatoriedade, a possibilidade da reação ocorrer ou não. Podemos confiar que
toda vez que uma placa quente tocar uma placa fria, o calor se transferirá da
placa quente para a fria até que uma temperatura intermediária e de equilíbrio
seja atingida. A água de uma cachoeira sempre vai de cima pra baixo, um pneu
furado sempre esvaziará, nunca encherá a ponto de explodir, apesar de tanto ar
do lado de fora. Mas que conclusão óbvia? Sim, óbvia porque há leis que regem
este nosso universo. Leis que se repetem e nas quais podemos confiar.
Apesar de buscar sempre a condição mais desordenada, os sistemas
desejam o equilíbrio. O equilíbrio é inexorável. A condição mais estável é
aquela a que somos levados a atingir naturalmente. E isso é ensinamento
valioso, quando concluímos que o que se estabelece em processos micro ou
macroscópicos, certamente, se repete também em nossas vidas. Não há como fugir
disso. É interessantíssimo quando nos damos conta deste fato. Pois, a forma
como estamos inseridos nesse contexto, o cotidiano, acabam por banalizar essa
capacidade que o universo tem de se repetir, de manter princípios sólidos que
regem suas transformações, das mais simples às mais complexas. Tudo nos parece normal
demais, pois não nos surpreendemos mais com nada. Acostumamo-nos com o milagre
da vida. Às vezes, me pergunto, por exemplo, como podemos não nos surpreender
diante de um filete de água ao abrimos a torneira? Como não nos espantamos mais
com esse líquido que não tem cor, não tem cheiro, não tem sabor, mas que
existe, que é palpável, que escorre pela nossa garganta e alivia-nos a sede,
refresca a pele, revigora. Como não nos surpreende mais o fato dessa mesma água
congelar sempre à mesma temperatura, na pressão atmosférica, e que essa
transformação se dê sempre da mesma forma, da superfície para o fundo,
diferentemente de todos os outros líquidos, ou que seja necessária sempre a
mesma quantidade de calor para fazê-la atingir sua temperatura de ebulição e se
tornar vapor. Como não nos surpreendemos mais com o ar, invisível aos olhos,
que penetra nossas narinas a cada segundo, atingindo nosso interior e
provocando as mais diversas reações químicas essenciais à vida. Como nos
acostumamos a ver o fogo com sua chama multicolorida, aquela energia toda
gerada numa simples transformação química. Não seria isso um milagre? Como não
fazemos mais a mesma festa, como não temos mais a mesma reação que tiveram
nossos antepassados quando o viram pela primeira vez? Como podemos conviver com
a ideia da terra a nutrir a semente, e permitir que aquela informação genética
milagrosamente armazenada seja transmitida e as transformações se realizem a
ponto de gerar a vida, criar raízes, fazer crescer a planta, que dará frutos e fornecerá
as mesmas sementes novamente? Uma semente de mamão sempre dará origem a um
mamoeiro, nunca a um pé de laranja ou de manga. Mas que ridícula essa
conclusão, não é mesmo? Como podemos aceitar isso, sem achar tudo isso
incrível, espetacular? Em algum momento, ficávamos muito curiosos com o fato de
uma semente de feijão, colocada num pedaço de algodão umedecido, se rompesse e
dali surgisse um caule, que crescia, gerando folhas, e quem sabe novas
sementes, que ao caírem na terra, repetiriam o mesmo e exclusivo ciclo. Sim,
quando éramos crianças, ainda achávamos isso fascinante, ficávamos horas a fio
observando a vida a se transformar. As leis da natureza seguindo seu curso
espontâneo. A água, o gás carbônico, as enzimas, os cloroplastos a absorverem a
luz do Sol, a fotossíntese a construir moléculas e mais moléculas,
silenciosamente, enquanto a criança dormia ao seu lado sem se dar conta do
milagre do grão que germinava sem saber de ciência alguma.
Concluí que não podemos perder esse olhar a respeito das coisas,
não podemos deixar de nos surpreender, de aplaudir o milagre da vida. E mais do
que isso, devemos de fato confiar nas tais leis da termodinâmica, nas leis que
regem o universo, que estão nas transformações mais óbvias, que em algum
momento se tornaram banais no nosso dia-a-dia, mas que vivem a nos gritar que
tudo se resolverá, que tudo há de encontrar o EQUILÍBRIO, tudo se tornará mais
estável. Não há como fugir, disto! Portanto, tenhamos fé no Princípio de Le
Chatelier, porque desde que o mundo é mundo, o equilíbrio pode ser perturbado,
mas não há nada que possa impedir que ele se reestabeleça. Mais cedo ou mais
tarde. É só ter calma, é só esperar.
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