Em tempo de festas juninas...
A dor e o dom de amar
Sentada
sob as folhas da mangueira frondosa, com o corpo curvado, cabeça baixa, tinha
as mãos presas por entre o vestido de chita rota. Suas pernas tremulavam naquela
cadência angustiante, que denunciava seu estado de completa desesperança. Com
semblante perdido e frio, ela ouvia o cantar melancólico das cigarras que anunciavam
o fim do dia. Nunca apreciou o entardecer. Temia a chegada da noite. O rosto cansado
trazia os olhos baços, pálpebras inchadas e cílios agrupados por lágrimas
ressecadas. Deixou-se quase que ser arrastada para dentro de casa por Iracema
Morena. Tomou um banho de água fria, querendo aliviar a dor de cabeça
latejante. Passou o pente nos cabelos e com as mãos separou-os no meio,
ajeitando por detrás das orelhas e prendendo num coque sem vaidade alguma.
Sentou-se junto à mesa comprida de madeira envelhecida. Pediu que fechassem as
janelas. Sentia frio. A escuridão da casa era interrompida apenas pelo brilho rubro
da chama que ardia no fogão de lenha. O crepitar da madeira verde que ali
queimava era também o único som que se ouvia naquela noite triste. Das Dores pôs
a água pra ferver e jogou sobre a erva-cidreira. Coou num coador de pano e
serviu-lhe o chá ainda quente. Ela tomou apenas um gole. Tinha um nó cego na
garganta. Levantou-se e seguiu em direção ao oratório. Ouvia-se apenas o ranger
da madeira por debaixo de seus pés. O vira-lata despertou, abriu os olhos e a
seguiu resignado e em silêncio. Diante da imagem barroca da Senhora das Dores,
ela prostrou-se de joelhos e não teve força pra dizer palavra. Chorou.
Sentia uma dor forte, como se também ela tivesse uma espada transpassada no
peito. Deitou-se na cama e cobriu-se com a colcha de retalhos meio esfarrapada.
Apagou o candeeiro e de tão exausta adormeceu. Acordou no meio da madrugada e,
com o coração descompassado, se deu conta que não se tratava de um pesadelo.
Sua dor era real. Com o olhar vidrado, sozinha naquela noite infinda, seguia
sem esperança. Seu amor foi-se embora.
Esta
manhã, ela acordou bem cedo. Abriu as janelas e a brisa leve que adentrou a
casa fez tremular as cortinas de voal. Respirou o frescor da manhã e
sentiu na pele o calor suave dos primeiros raios de sol. Hoje ela acordou bem
cedo. Hoje ela voltou a sorrir. Abriu todas as janelas. Pôs os bordados na goma
e a toalha pra quarar. Varreu casa e espanou poeira. Mandou que regassem as
plantas e banhassem o vira-lata. Pediu à Das Dores que colhesse verduras e
descascasse as batatas. Temperou a galinha caipira e pôs o fubá pra cozinhar.
Fez doce de mamão verde e bom-bocado. Separou o licor de jenipapo. Colheu
flores. Enfeitou a capela e acendeu vela. À Imaculada Conceição, fez uma
singela oração. Ordenou à Rita de Tião que convidasse a vizinhança e a Joãozinho
Ligeiro que contratasse o tal Chico Violeiro. Ferveu água na chaleira e amornou
na bacia de ágata. Banhou-se com rosas brancas. Vestiu-se de renda fina e
sandálias de couro cru. Penteou os cabelos e enfeitou-os com sempre-viva.
Prendeu os brincos de pedrinha e colocou a pulseirinha dourada. Perfumou-se com
um sândalo suave. Acendeu o candeeiro e pôs-se a esperar. Sentia uma felicidade
imensa. Uma alegria infinda. A lua iluminava o quintal e as estrelas pareciam
bordar o céu naquela noite. Pois que comecem a música e estourem os rojões.
Acendam fogueira e dancem até o dia raiar. Hoje é dia de festa. Seu amor acabou
de voltar!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Alguma dúvida, alguma sugestão, alguma crítica? Deixe seu comentário.