terça-feira, 3 de junho de 2014

Festa

Em tempo de festas juninas... 

A dor e o dom de amar

Sentada sob as folhas da mangueira frondosa, com o corpo curvado, cabeça baixa, tinha as mãos presas por entre o vestido de chita rota. Suas pernas tremulavam naquela cadência angustiante, que denunciava seu estado de completa desesperança. Com semblante perdido e frio, ela ouvia o cantar melancólico das cigarras que anunciavam o fim do dia. Nunca apreciou o entardecer. Temia a chegada da noite. O rosto cansado trazia os olhos baços, pálpebras inchadas e cílios agrupados por lágrimas ressecadas. Deixou-se quase que ser arrastada para dentro de casa por Iracema Morena. Tomou um banho de água fria, querendo aliviar a dor de cabeça latejante. Passou o pente nos cabelos e com as mãos separou-os no meio, ajeitando por detrás das orelhas e prendendo num coque sem vaidade alguma. Sentou-se junto à mesa comprida de madeira envelhecida. Pediu que fechassem as janelas. Sentia frio. A escuridão da casa era interrompida apenas pelo brilho rubro da chama que ardia no fogão de lenha. O crepitar da madeira verde que ali queimava era também o único som que se ouvia naquela noite triste. Das Dores pôs a água pra ferver e jogou sobre a erva-cidreira. Coou num coador de pano e serviu-lhe o chá ainda quente. Ela tomou apenas um gole. Tinha um nó cego na garganta. Levantou-se e seguiu em direção ao oratório. Ouvia-se apenas o ranger da madeira por debaixo de seus pés. O vira-lata despertou, abriu os olhos e a seguiu resignado e em silêncio. Diante da imagem barroca da Senhora das Dores, ela prostrou-se de joelhos e não teve força pra dizer palavra. Chorou. Sentia uma dor forte, como se também ela tivesse uma espada transpassada no peito. Deitou-se na cama e cobriu-se com a colcha de retalhos meio esfarrapada. Apagou o candeeiro e de tão exausta adormeceu. Acordou no meio da madrugada e, com o coração descompassado, se deu conta que não se tratava de um pesadelo. Sua dor era real. Com o olhar vidrado, sozinha naquela noite infinda, seguia sem esperança. Seu amor foi-se embora.

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Esta manhã, ela acordou bem cedo. Abriu as janelas e a brisa leve que adentrou a casa fez tremular as cortinas de voal. Respirou o frescor da manhã e sentiu na pele o calor suave dos primeiros raios de sol. Hoje ela acordou bem cedo. Hoje ela voltou a sorrir. Abriu todas as janelas. Pôs os bordados na goma e a toalha pra quarar. Varreu casa e espanou poeira. Mandou que regassem as plantas e banhassem o vira-lata. Pediu à Das Dores que colhesse verduras e descascasse as batatas. Temperou a galinha caipira e pôs o fubá pra cozinhar. Fez doce de mamão verde e bom-bocado. Separou o licor de jenipapo. Colheu flores. Enfeitou a capela e acendeu vela. À Imaculada Conceição, fez uma singela oração. Ordenou à Rita de Tião que convidasse a vizinhança e a Joãozinho Ligeiro que contratasse o tal Chico Violeiro. Ferveu água na chaleira e amornou na bacia de ágata. Banhou-se com rosas brancas. Vestiu-se de renda fina e sandálias de couro cru. Penteou os cabelos e enfeitou-os com sempre-viva. Prendeu os brincos de pedrinha e colocou a pulseirinha dourada. Perfumou-se com um sândalo suave. Acendeu o candeeiro e pôs-se a esperar. Sentia uma felicidade imensa. Uma alegria infinda. A lua iluminava o quintal e as estrelas pareciam bordar o céu naquela noite. Pois que comecem a música e estourem os rojões. Acendam fogueira e dancem até o dia raiar. Hoje é dia de festa. Seu amor acabou de voltar!




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