sexta-feira, 6 de junho de 2014

Malévola, só que não!

Fui assistir ao filme Malévola, com Angelina Jolie, sem ler absolutamente nada a respeito. É o tipo de filme que eu geralmente não me interesso. Fui mais para fazer companhia do que outra coisa. Não sou cinéfilo,
 por mais que isso pareça um pecado, uma mancha no currículo. Além disso, sou daqueles que dorme fácil numa sala de cinema, se o filme não me interessar. Mas esse filme acabou prendendo minha atenção desde o início. Não pelos efeitos visuais, maquiagem, etc. Muito mais pela mensagem subliminar que acabei captando. Uma visão pessoal, que me deu vontade de elaborar melhor. Aos que não viram o filme, devo avisar que vou contar o final. Decidam, então, nesse momento: preferem o fim do filme ou fim deste texto. Como já suponho a escolha, espero que voltem depois.

Geralmente, nos contos de fada, os papeis são bem estabelecidos. A princesa impecável, puríssima, já a vilã sempre muito cruel, sem coração, implacável. E a gente sempre espera um príncipe, que chega do nada, geralmente no final, beija a princesa e são felizes para sempre. Sim, um sempre que mal dura alguns poucos segundos em que a palavra “fim” se demora na tela. Viver feliz pra sempre, quando o sempre não existe é mole.

A primeira coisa que me causou estranhamento foi logo no início do filme quando a pequena fada voava alegre, descontraída, brincando com todos aqueles outros seres tão diversos. “Eu me chamo Malévola”. Como assim? Uma fada tão bonita, saltitante e bem relacionada. Como uma fada boa pode se chamar “Malévola”? Rótulos. Como eles podem ser cruéis e estagnantes. E como devemos estar atentos a eles. Quantos de nós não tem que passar boa parte da vida tentando se livrar de um nome, de uma marca, de um rótulo. Pode até parecer inofensivo quando ficamos no patamar dos estereótipos, como, por exemplo, costumo ouvir toda vez que digo que sou brasileiro em viagens pelo mundo a fora: “Brasil, futebol, samba, mulheres...”. No entanto, o estereótipo é primo-irmão do preconceito, e aí está o perigo. Cor da pele, gênero, orientação sexual, um cromossomo a mais nas células etc., não definem caráter nem são garantias de qualidades ou defeitos.

Malévola era uma criança boa, pura, que cresceu e se transformou numa jovem com suas questões, seus momentos difíceis, assumiu responsabilidades, pois demonstrou ser confiável. Malévola antes de qualquer coisa acreditou no amor. Mas como tantos, confiou e se envolveu com alguém que lhe tirou a liberdade, cortou suas asas. Sim, quantos não são os exemplos de pessoas que se entregam de corpo e alma a relacionamentos que aprisionam, castram, cortam asas. Pessoas que vivem presas por anos a fio a outras que lhes roubam a dignidade, a liberdade, os sonhos de uma vida inteira. Por outro lado, quanto mal a si próprio pode gerar uma vida dedicada a cultivar mágoas, vinganças, rancores. Como tudo isso pode nos privar de voar novamente, de pensar alternativas, mesmo quando nos faltam asas. De que vale nos cercamos de muros, a quem queremos atingir? Das poucas vezes que perdi meu tempo com mágoas e rancores, invariavelmente me arrependi. É pura falta de inteligência querer atingir alguém, cultivando um mal dentro nós mesmos. Geralmente, quando agimos tomados por estes sentimentos ruins, acabamos metendo os pés pelas mãos e cometemos erros difíceis de serem consertados, ainda que venhamos a nos arrepender. Não deixar ser atingido pelo outro é uma arte difícil de colocar em prática. Mas não há outro remédio, se o nosso desejo é paz de espírito e tranquilidade na vida.

Fato é que ninguém é totalmente mau nem totalmente bom. A diferença está em como conseguimos lidar com nossos monstros e sombras. O jovem Stefan se deixou tomar por uma ambição doentia, que o cegou a ponto de cortar as asas de alguém por quem ele nutria algo de bom – sim, pois ele não foi capaz de matá-la. Qualquer um de nós pode agir cegamente em certos momentos da vida. Nossos deslizes não podem nos congelar. No entanto, as escolhas vão construindo o caminho. O ponto de chegada é apenas consequência daquelas escolhas. O Rei Stefan poderia ter devolvido as asas de Malévola. Por que não as devolveu? O Rei Stefan diante da maldição, em vez de tentar buscar soluções realmente eficazes, escondeu sua filha e privou-se do convívio da mesma por dezesseis longos anos. Quando a reencontrou eram como dois estranhos. Não havia amor. Nem podia. Enquanto isso a pequena Aurora, livre de rótulos, de preconceitos, soube encarar sua sombra, conviver com ela, nunca ignorou a presença da mesma. Reconhecer nossa sombra é a forma mais eficaz de torna-la menos destrutiva, danosa. Todos nós temos um lado sombrio, que precisa ser identificado, conhecido, para que possa ser contido em muitos momentos. O conhecimento desse lado sombrio nos torna capazes de surpreendê-lo e, principalmente, ajuda-nos a buscar a melhor forma de lidar com ele, para que sejamos atingidos o menos possível. Se conseguimos alcançar esse equilíbrio, até mesmo a nossa sombra pode nos fazer melhores, mais firmes diante da vida.

Malévola me pareceu muito mais real. Alguém capaz de ser boa e má. De se deixar levar por momentos de raiva, de ódio. De querer vingar-se. De falar mais do que devia. Entretanto, alguém que se mostra arrependida, cai em si, e não paralisa diante das dificuldades. Que toma as rédeas e tenta solucionar mesmo o que parece impossível. Mesmo quando tudo parecia perdido, quando parecia não ter saída, ela conseguiu ser racional e tirar proveito do dragão furioso que levava consigo. Enquanto isso, como era de se esperar, seu lado bom, sua essência, sua capacidade de amar verdadeiramente, acabariam trazendo sua liberdade de volta, fazendo-a voar novamente. Mas é claro, foi preciso lutar e muito.

De fato, somos esse misto de bem e mal. É sábio reconhecer isso. Somos trevas e somos luz. E o bom da vida é construirmos a harmonia entre esses dois lados, para tirar proveito de cada um deles, sem nos deixar ferir ou paralisar diante das dificuldades e entraves da vida. Além disso, é saudável sabermos que a perfeição de nossas relações de amor – quaisquer que sejam – está no fato de nos reconhecermos imperfeitos, vítimas de circunstâncias, e que é possível aos que nos amam verdadeiramente cometer desacertos, coisas impensadas, que podem sim nos causar mal. Nós também fazemos isso. Porém, essas mesmas pessoas imperfeitas podem nos fazer despertar pra uma vida bem mais real. Pois são elas que estão sempre ao nosso lado. Muitas vezes, nos é que esperamos mais do que as pessoas realmente podem nos dar. Não por serem boas ou ruins, benévolas ou malévolas, mas por serem tudo isso junto e misturado.

É claro que, ao fim do filme, prevaleceu a máxima do “e viveram felizes para sempre”. O que pra mim não tem problema. Sou do tipo que vai pro cinema para ver final feliz, sempre. Porém, é muito mais crível uma felicidade que se constrói ao longo dos anos, com alguns momentos de alegria e outros de dor, de tristeza, de decepção, de luta. Essa historinha de príncipe que vem do nada, dá um beijo na bela princesa e tudo se resolve é pros fracos. Ser feliz pra sempre dá muito mais trabalho. Mas vale a pena. Afinal é pra isso que a gente vive, não é mesmo?

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3 comentários:

  1. O filme eu amei, principalmente a dor da perda da liberdade!
    O relato de sua visão nos faz rever muitos (pre) conceitos, e que apesar de ser uma fada "quase" humana diante de tantos sentimentos, ela prova que apesar de tudo o amor é o que conta..... tudo lindo #filmeesuavisão!!!!!

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  2. Jeová, Yahvé ou seja lá como você chame essa praga, é um demiurgo, genocida, que ordenou o assassinato de mulheres e crianças, exige adoração cega e sacrifícios em seu, nome. Teve como um dos filhos favoritos Davi (homem segundo o coração de deus) que era adúltero e homicida. E você acham que Lúcifer é o mal? Lúcifer é o portador da Luz, a luz do conhecimento e da verdade, e é por isso que jeová tem tanto medo que o conheçamos!!
    Hail Satan!!!

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