sexta-feira, 13 de junho de 2014

Sobre pontes, cadeados e namorados

Pont des Arts, Paris - Abril de 2014
Saiu nos jornais, esta semana, uma reportagem a respeito da famosa Pont des Arts em Paris, onde casais apaixonados tem o costume de colocar cadeados e jogar a chave fora nas águas do rio Sena, simbolizando o amor eterno. No último domingo, a ponte cedeu, devido ao peso dos milhares de cadeados presos às grades da mesma, precisando ser interditada, pois parte do alambrado caiu. Ao ler a reportagem fiquei pensando no quão metafórica essa situação poderia ser. Na verdade, das vezes que passei por essa ponte, e por tantas outras pelos lugares que já visitei, sempre fiquei imaginando coisas sobre as histórias de amor que estavam ali representadas. Fico lendo os nomes das pessoas, dos casais, as juras de amor eterno, etc. Alguns cadeados são mais simples, outros mais ostensivos, alguns bem pequeninos, outros enormes. Sempre me pergunto: “quantos desses casais ainda permanecem juntos?”.

Nesses dias em que muitas pessoas andaram postando declarações de amor, procurando presentes, enfrentando filas em restaurantes, etc., é de se pensar a importância do simbolismo de uma data, de uma tradição, de um ritual, como aquele de colocar um cadeado pendurado numa ponte. Eu seria muito vil se tentasse dizer que essa história de comemorar dia dos namorados, pendurar cadeado em pontes, etc. é uma tremenda bobeira. Definitivamente, não acho que seja. Rituais e simbolismos são bastante úteis para marcarmos o tempo de nossas histórias. Sou completamente adepto da celebração, da festa. Porém, não passou em branco pra mim, também, o simbolismo da ponte cedendo ao peso dos cadeados. Amor é leve. Amor não aprisiona.

Parece que não há receita mágica para o amor, nem símbolos são artefatos ou truques que retiramos de uma cartola ou canastrinha encantada. Portanto, é quase que intuitivo entender que de nada adianta prender cadeados em pontes, mandar flores, postar fotos e declarações de amor em um dia do ano, se tudo não passar de promessas vãs. A eficácia está em fazer valer a simbologia do ato em si. Transformar o sinal em realidade. Pra isso é preciso ir além do próprio simbolismo. Além da ponte, além das palavras que cabem numa postagem no facebook, além da floricultura, da lojinha no shopping, do restaurante chique e disputado. Enfim, é preciso fazer-se presente, esforçar-se, doar-se, surpreender não apenas numa manhã de junho, mas a todo instante. Um amor que se deseja pra sempre pode até prescindir de símbolos, ainda que eles sejam interessantes, mas certamente para se ter uma relação duradoura é imprescindível, acima de qualquer coisa, dedicação mútua.

Portanto, creio que seja saudável que amemos além dos dias oficialmente marcados no calendário para o amor, que dediquemo-nos nas situações mais simples e cotidianas. Que tal darmos de presente ao outro, a cada dia, a nossa paciência, a nossa compreensão, nossa capacidade de silenciar quando necessário? Que tal dizermos ao nosso par um “não” bem redondo na hora certa? Que tal não economizarmos as palavras de carinho, a boa companhia, a cumplicidade, a troca de olhares nos momentos difíceis? Que tal não nos omitirmos com relação àquilo que nos incomoda no outro? Não deixarmos o "pote até aqui de mágoas"? Não esperemos para ser românticos, carinhosos, compreensíveis, alegres, apenas quando isso nos parecer ser a derradeira tentativa de salvar nossas relações de amor. Antes, esforcemo-nos, dediquemo-nos ao outro, profilaticamente. Façamos valer a pena cada instante vivido juntos. Sejamos capazes de amar, principalmente, os defeitos do outro. Que tal presentearmos o nosso companheiro ou companheira com um projeto de vida real a dois, projeto esse que inclua o esforço para se ter o máximo possível de dias alegres, que – obviamente – inclua a capacidade de surpreender o outro com momentos românticos e presentinhos inesperados, com símbolos, mas não deixe de fora a paciência para dias mais difíceis, a capacidade de compreender o outro, respeitando seus dias menos nobres? A velha história do revezamento na função de segurar a lua nas noites da vida a dois.

Sinceramente, não gosto do cadeado – cuja chave se jogou fora – como símbolo de amor verdadeiro e eterno. Como já disse, amor pra mim é liberdade. É como diz o poeta: “é um estar-se preso por vontade” e não por falta de opção, porque a chave foi perdida. Pra mim, amar é ter a chave disponível para abrir o cadeado a qualquer momento e não fazê-lo, pois os laços são mais fortes. Amor não é nó cego. Amor é feito laço de seda, lindo, mas fácil de ser desfeito, se não prestarmos atenção o tempo todo, se não vigiarmos para que ele não fique frouxo e se desfaça. É essencial reforçar os laços sempre. Amor é aliança que cada um carrega consigo, elos que se unem não por correntes, feito algemas, mas por uma ligação que não se vê, apenas se sente.


Ainda com relação aos cadeados, eu acharia mais interessante uma tradição em que os apaixonados em vez de jogar a chave fora, guardassem-na e se comprometessem em voltar à ponte quando não pretendessem mais manter a relação a dois ou assim que percebessem que a paixão se transformou em amor de fato. Desta forma, a simbologia do abrir o cadeado e jogar a chave fora faria muito mais sentido, pois teria muito mais a ver com a liberdade que só um amor verdadeiro pode nos trazer. Ainda que seja o amor-próprio. E, do ponto de vista prático, de uma forma ou de outra, dificilmente a ponte cederia.


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