Pont des Arts, Paris - Abril de 2014 |
Saiu nos jornais, esta
semana, uma reportagem a respeito da famosa Pont des Arts em Paris, onde casais
apaixonados tem o costume de colocar cadeados e jogar a chave fora nas águas do
rio Sena, simbolizando o amor eterno. No último domingo, a
ponte cedeu, devido ao peso dos milhares de cadeados presos às grades da mesma,
precisando ser interditada, pois parte do alambrado caiu. Ao ler a reportagem
fiquei pensando no quão metafórica essa situação poderia ser. Na verdade, das
vezes que passei por essa ponte, e por tantas outras pelos lugares que já
visitei, sempre fiquei imaginando coisas sobre as histórias de amor que estavam
ali representadas. Fico lendo os nomes das pessoas, dos casais, as juras de
amor eterno, etc. Alguns cadeados são mais simples, outros mais ostensivos,
alguns bem pequeninos, outros enormes. Sempre me pergunto: “quantos desses
casais ainda permanecem juntos?”.
Nesses dias em que muitas
pessoas andaram postando declarações de amor, procurando presentes, enfrentando
filas em restaurantes, etc., é de se pensar a importância do simbolismo de uma
data, de uma tradição, de um ritual, como aquele de colocar um cadeado
pendurado numa ponte. Eu seria muito vil se tentasse dizer que essa história de
comemorar dia dos namorados, pendurar cadeado em pontes, etc. é uma tremenda
bobeira. Definitivamente, não acho que seja. Rituais e simbolismos são bastante
úteis para marcarmos o tempo de nossas histórias. Sou completamente adepto da
celebração, da festa. Porém, não passou em branco pra mim, também, o simbolismo
da ponte cedendo ao peso dos cadeados. Amor é leve. Amor não aprisiona.
Parece que não há receita
mágica para o amor, nem símbolos são artefatos ou truques que retiramos de uma
cartola ou canastrinha encantada. Portanto, é quase que intuitivo entender que
de nada adianta prender cadeados em pontes, mandar flores, postar fotos e
declarações de amor em um dia do ano, se tudo não passar de promessas vãs. A
eficácia está em fazer valer a simbologia do ato em si. Transformar o sinal em realidade. Pra
isso é preciso ir além do próprio simbolismo. Além da ponte, além das palavras
que cabem numa postagem no facebook, além da floricultura, da lojinha no
shopping, do restaurante chique e disputado. Enfim, é preciso fazer-se
presente, esforçar-se, doar-se, surpreender não apenas numa manhã de junho, mas
a todo instante. Um amor que se deseja pra sempre pode até prescindir de
símbolos, ainda que eles sejam interessantes, mas certamente para se ter uma
relação duradoura é imprescindível, acima de qualquer coisa, dedicação mútua.
Portanto, creio que seja
saudável que amemos além dos dias oficialmente marcados no calendário para o
amor, que dediquemo-nos nas situações mais simples e cotidianas. Que tal darmos
de presente ao outro, a cada dia, a nossa paciência, a nossa compreensão, nossa
capacidade de silenciar quando necessário? Que tal dizermos ao nosso par um
“não” bem redondo na hora certa? Que tal não economizarmos as palavras de
carinho, a boa companhia, a cumplicidade, a troca de olhares nos momentos difíceis? Que tal não nos omitirmos com relação àquilo que nos incomoda no outro? Não deixarmos o "pote até aqui de mágoas"? Não esperemos para ser românticos, carinhosos, compreensíveis, alegres, apenas
quando isso nos parecer ser a derradeira tentativa de salvar nossas relações de
amor. Antes, esforcemo-nos, dediquemo-nos ao outro, profilaticamente. Façamos
valer a pena cada instante vivido juntos. Sejamos capazes de amar,
principalmente, os defeitos do outro. Que tal presentearmos o nosso companheiro
ou companheira com um projeto de vida real a dois, projeto esse que inclua o
esforço para se ter o máximo possível de dias alegres, que – obviamente –
inclua a capacidade de surpreender o outro com momentos românticos e
presentinhos inesperados, com símbolos, mas não deixe de fora a paciência para
dias mais difíceis, a capacidade de compreender o outro, respeitando seus dias
menos nobres? A velha história do revezamento na função de segurar a lua nas
noites da vida a dois.
Sinceramente, não gosto
do cadeado – cuja chave se jogou fora – como símbolo de amor verdadeiro e
eterno. Como já disse, amor pra mim é liberdade. É como diz o poeta: “é um
estar-se preso por vontade” e não por falta de opção, porque a chave foi
perdida. Pra mim, amar é ter a chave disponível para abrir o cadeado a qualquer
momento e não fazê-lo, pois os laços são mais fortes. Amor não é nó cego. Amor
é feito laço de seda, lindo, mas fácil de ser desfeito, se não prestarmos
atenção o tempo todo, se não vigiarmos para que ele não fique frouxo e se
desfaça. É essencial reforçar os laços sempre. Amor é aliança que cada um
carrega consigo, elos que se unem não por correntes, feito algemas, mas por uma
ligação que não se vê, apenas se sente.
Ainda com relação aos
cadeados, eu acharia mais interessante uma tradição em que os apaixonados em vez de
jogar a chave fora, guardassem-na e se comprometessem em voltar à ponte quando
não pretendessem mais manter a relação a dois ou assim que percebessem que a
paixão se transformou em amor de fato. Desta forma, a simbologia do abrir o
cadeado e jogar a chave fora faria muito mais sentido, pois teria muito mais a
ver com a liberdade que só um amor verdadeiro pode nos trazer. Ainda que seja o
amor-próprio. E, do ponto de vista prático, de uma forma ou de outra,
dificilmente a ponte cederia.
Gostou do texto? Que tal compartilhar?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Alguma dúvida, alguma sugestão, alguma crítica? Deixe seu comentário.