sexta-feira, 30 de junho de 2017

Viajando no tempo... (Discurso Paraninfo - Curso Integrado Médio Técnico em Química do IFRJ - CRJ - 2016.2)



Boa noite a todos...

Diante da responsabilidade de escrever, falar sobre algo tão importante em nossas vidas, mais uma vez pude comprovar que o difícil, na verdade, é começar (...). Começar a escrever um texto, começar esta graduação, começar a ser alguém nada vida...

Mas peraí, peguei o papel errado! Isso é coisa do século passado, gente. É o meu discurso como orador na minha formatura em 1996, mais de 21 anos atrás. Vocês não eram nem nascido. Ok. Ok. O Vilas já era, mas deixa isso pra lá. Meu Deus, quando vocês vieram ao mundo, o Harry Potter já existia. Sabe que já naquele tempo eu tinha mania de colocar música em tudo. Como diz minha sobrinha: “meu tio é assim, a gente fala uma palavra, ele vai lá e já canta uma música...”

És um senhor tão bonito. Quanto a cara do meu filho. Tempo tempo tempo tempo. És um dos deuses mais lindos. Tempo tempo tempo tempo.

É estranha essa sensação. Por que tudo me parece tão igual... É como se eu tivesse voltado no tempo e me reencontrado com aquele jovem cheio de planos, de sonhos, de coisas a construir... Mas será que é possível viajarmos no tempo? Há quem não acredite nisso. Mas hoje eu vos trago essa possibilidade, convido a todos a me acompanharem nesta viagem. Eu sei viajar no tempo. Por instantes esqueçam a física, a matemática e até mesmo a química. Confie em mim. Hoje eu vos trago a poesia. Ela sim, pode nos transportar no tempo.

Passa o tempo e a vida passa. E eu, de alma ingênua, acredito. No sonho doce infinito. Plenitude, enlevo e graça. Que sem tortura ou revolta. Estou cantando ao luar. Vamos dar a meia-volta. Volta e meia vamos dar.

Prazer, sou Anderson Henriques, tenho 23 anos, formando de Engenharia Química. Hoje eu sou apenas um sonho. Estamos em 1996. Auditório do Prédio Central na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. À minha frente um futuro me aguardando. Há um senhor e uma senhora, alí, sentados. Me parecem mais felizes do que eu. Será que a conquista de hoje é realmente minha ou é deles?

Eu vi o menino correndo, eu vi o tempo, brincando ao redor do caminho daquele menino. Eu pus os meus pés no riacho, e acho que nunca os tirei. O sol ainda brilha na estrada e eu nunca passei...

Prazer, eu me chamo Anderson, devo ter uns 12 anos de idade. Hoje é Natal. Estamos num Sobrado amarelo num subúrbio do Rio. O casal que estava sentado lá naquele auditório, hoje, me trouxe presentes. Um pequeno quadro negro, giz e apagador, e uma caixa azul onde está escrito: “O Pequeno Químico”. Essa noite, eu me sentei, encostado à máquina de costura de minha avó e passei horas misturando coisas em pequenos vidrinhos, mudando cores, gotejando soluções em pedaços de batata que mudavam de cor. Escrevi no quadro coisas aleatórias. Peguei no sono ali mesmo. Acordei no dia seguinte, recolhi uns livros velhos, o quadro e o giz e fui brincar... Sim, brincar de ser professor. E, assim, repeti todos os dias...

Velho, recordo o menino, que resta de mim, sei lá. Cajueiro pequenino, meu pé de Jacarandá...

Quando me dei conta, já era 1997, eu estava dentro de uma bolha de sabão, num laboratório da Escola Técnica Federal de Química. Era uma Semana da Química. Eu, Engenheiro Químico formado, já fazendo mestrado, ouvia de um grupo de alunos do curso técnico, explicações a respeito de como se formavam as bolhas de sabão. Aqueles alunos tinham uma clareza a respeito do que falavam, tinham brilho nos olhos, uma alegria. Aquela escola fervilhava. Auditório lotado. Projetos. Oficinas de poesia. Música. Então eu pensei: é nesse lugar que eu quero continuar a brincadeira com o meu quadro, meu giz e meus vidrinhos e tubos de ensaio!

Então, em 1998, enquanto muitos de vocês nasciam, davam seus primeiros passos, ou balbuciavam as primeiras palavras. Eu nascia professor, nesta escola. Dava meus primeiros passos como professor substituto de Tecnologia da Fermentações da Escola Técnica Federal de Química. Vejam só! Processos Bioquímicos!

Professor de Tecnologia das Fermentações, sim, foi assim que eu nasci para antiga ETFEQ, hoje IFRJ. Como vocês sabem, eu tenho essa petulância, essa ousadia, de ver poesia em tudo. Há os que dizem que sonhos são como tijolos que a gente vai colocando dia-a-dia, um sobre o outro, para construir a felicidade da gente. Meus sonhos são feitos de pequenos quadradinhos verdes. Quando eu entrei nessa escola pela primeira vez, eu levava uma sacola vazia, e naquele dia, eu pus nela o meu primeiro quadradinho verde. E desde então, a cada dia que entro aqui, quando ouço logo lá na entrada, “bom dia, professor” é mais um ladrilho verde que cai na minha sacola, que eu vou colando na parede da minha realização, do meu sonho, da minha felicidade.

Compositor de destinos. Tambor de todos os ritmos. Tempo tempo tempo tempo. Entro num acordo contigo. Tempo tempo tempo tempo. Por seres tão inventivo. E pareceres contínuo. Tempo tempo tempo tempo. És um dos deuses mais lindos. Tempo tempo tempo tempo.

            Bom dia, senhores e senhoritas. Estamos em 2014. Segunda-feira, 7 da manhã, Eu sou Anderson Henriques, o vosso professor de FisQui II. E lá estavam vocês, finalmente, 15 ou 16 anos depois. Depois do turbilhão dos primeiros períodos, chegavam ao quarto. Uma turma enorme, que mal cabia na sala. Logo que entrei, fez-se o silêncio. Porém, este silêncio não durou quase nada. Lá ao fundo, já ouvi a risada solta que iria nos acompanhar durante todo o semestre. Cadê o João Victor Lage? Meu Deus, mas essa turma fala demais, Alda. É, eles falam, riem de tudo, mas daqui a pouco engrenam. Então, em meio aquela risadaria solta, eu lancei pela primeira vez: meu pai, quando éramos criança e estávamos de risinho por tudo, achando graça de tudo, gritava lá da sala: “Dia de riso, véspera de choro...”. Todos quando ouvem isso, não sabem nem porque, mas não veem mais sentido em rir hahhaa. Sempre funciona. Vez ou outra se ouvia a voz da mãe deles, que já àquela altura era mãe deles, “Gente! Silêncio...”. Cadê a Maria? Eu rapidamente entendi: são maratonistas, corredores de longa distância, vão tranquilamente no início e deixam pra disparar no final. E assim foi. A cada Conselho de Classe, eu como coordenador, Maria sempre como representante, ouvíamos as mesmas histórias, essa turma tá achando que é brincadeira, tem um menino lá que ri de tudo. “É, eles são assim mesmo, daqui a pouco acordam...”. Maria Mariana, avisa a turma que esta semana vou aparecer lá pra gente conversar. E era sempre a mesma ladainha. Ao final, levavam aquele susto, mas eles mesmos tinham suas estratégias, se ajudavam. E mais um período se concluía. E outro. E outro...

Peço-te o prazer legítimo. E o movimento preciso. Tempo tempo tempo tempo. Quando o tempo for propício. Tempo tempo tempo tempo. De modo que o meu espírito. Ganhe um brilho definitivo. Tempo tempo tempo tempo. E eu espalhe benefícios. Tempo tempo tempo tempo.

            Como eu disse pra vocês há pouco, cada dia que chego aqui e ouço um aluno me chamar de professor é como se isso fosse aquela carimbada que a gente levava na caderneta da escola todo dia: presente! Mais um dia se confirma, eu fiz a escolha certa. No entanto, ser professor numa instituição pública, num país como o nosso, em que a maioria dos governantes não prima pela Educação, não é tarefa fácil. E todo dia pode ser também um 7 a 1. E diante das peculiaridades de uma escola como essa, há momentos em que a gente precisa fazer escolhas, porque enquanto a gente vai colocando os ladrilhinhos verdes na parede, tem uns e outros que vêm com uma marreta e uma ponteira e tenta arrancá-los. Pra vocês, talvez, sejamos como aquelas bordadeiras nordestinas, sentadas bordando uma colcha, com desenhos lindos, que a gente só vê depois de pronto. A gente expõe a colcha, na maioria das vezes, com o sorriso nos lábios, mas por trás do bordado que se mostra, a trama é muito mais complicada, os fios são muito mais entrelaçados, há muitos nós, remendos. Mas, ao fim e ao cabo, o que importa de fato, o que interessa e é valorizado é a beleza do bordado. Talvez sejamos as bordadeiras da educação e vocês, certamente, o nosso mais belo bordado.

Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista. O tempo não para e no entanto ele nunca envelhece. Aquele que conhece o jogo, do fogo das coisas que são. É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão

            Quem me conhece sabe que sou da filosofia clichê, de Facebook, “entre ser feliz e ter razão, eu prefiro ser feliz...” E pra continuar feliz, recolhendo meus quadradinhos verdes para ladrilhar minha felicidade, eu decidi mudar. Depois de 12 anos, sendo professor de FisQui, mesmo trabalhando com gente que eu amava trabalhar, pessoas pelas quais tenho ainda hoje só carinho e gratidão, voltei a ser professor de Tecnologia de Fermentações.

            Então, depois de todos esses anos, me senti inseguro de novo, tive medo de novo. O medo que é comum a toda mudança, o medo do novo. Aquele mesmo medo que tive em 1998, quando entrei em sala de aula pela primeira vez. Só que dessa vez, além de ter sido recebido da melhor forma possível por pessoas incríveis na minha nova equipe, depois de dois anos, quem eu encontro novamente? Sim, vocês todos novamente!

            A vida é incrível mesmo, é belo observar os ciclos, os encontros e reencontros. Nós que nascemos juntos, vocês pra vida, eu para a profissão, nos reencontrávamos naquela sala de aula em que eu novamente recomeçava, voltava ao início, à fase lag de novo. E a cada quinta-feira, em que eu acordava, e ainda inseguro diante de todas as novidades, me lembrava que iria encontra-los, eu me tranquilizava. São eles, os queridos daquela QM141, os da foto com o Cauã. Então, eu entendi que a vida é de fato esse ciclo maravilhoso. A cada 5ª feira, eu me sentava junto de vocês, dessa vez mais pra ouvir do que falar. Pra resgatar, pra aprender de novo. Vocês tornaram essa nova fase muito mais leve, muito mais tranquila. Cada um de vocês foi um novo quadradinho verde que caiu na minha sacola e fui colocando um por um na parede da minha vida.

            Vocês me falam do novo. Vocês me falam da empatia, da naturalidade diante do que o mundo polemiza. Vocês me falam de leveza. A forma como vocês lidam com as diferenças, com a diversidade, é um ensinamento diário pra mim. A capacidade de ajudar, de se preocupar uns com os outros. De respirar fundo e conviver com o diferente, enfim, vocês é que foram professores, ultimamente.

Passa o tempo e eu fico mudo. Ontem ainda a ciranda. Vida à toa, a trova branda. Agora envolvendo tudo... Velho, recordo o menino. Que resta de mim, sei lá. Cajueiro pequenino. Meu pé de jacarandá...
E se continuamos nessa viagem no tempo, eu lhes digo: Eu sou Anderson Henriques, tenho quase 45 anos, já tenho muitos cabelos brancos, dos quais muito me orgulho, não leio mais sem óculos. E falo-vos desde o futuro. Digo-vos que, em muitos aspectos, sou ainda o mesmo menino que naquela noite brincava encostado à máquina de costura, escrevendo no quadrinho de giz e misturando coisas coloridas nos vidrinhos. Sou também aquele jovem com vinte e poucos anos, recém-formado, cheio de sonhos, de esperanças. Sou ainda o mesmo que pela primeira vez entrou nessa escola, entusiasmado, mas inseguro, cheio de medos. Sou todos eles ainda. Mas toda vez que com eles me reencontro, posso dizer a eles, sem medo de errar, valeu a pena. E desde aqui do futuro, se tenho algo a dizer-lhes é: acreditem nos seus sonhos, ouçam o menino ou a menina que vive dentro de vocês, não deixem de ouvir nunca. Voltem sempre a eles para dar satisfação. Vocês são especiais, vocês são únicos e para mim, inesquecíveis. No mais, dou-lhes um conselho:

            Ainda que queiram tirar vocês da fase exponencial do crescimento, ainda que perturbem seu equilíbrio, tenham fé no Principio de Le Chatelier, e reajam sempre a fim de que o equilíbrio seja restabelecido. No mais, é seguir a vida, colocando na sacola mais e mais quadradinhos verdes...

Ainda assim acredito. Ser possível reunirmo-nos.Tempo tempo tempo tempo. Num outro nível de vínculo.Tempo tempo tempo tempo


Amo vocês pra sempre!